“Ecologia é a ciência que estuda as relações dos seres vivos entre si e com o seu ambiente”. A reprodução é o texto de uma das atividades pelas quais cerca de 1.200 alunos do Complexo Prisional Policial Penal Daniella Cruvinel, em Aparecida de Goiânia têm acesso à educação.Em todo o sistema prisional de Goiás são 4.264 matriculados. Em 2017, eram 724. Houve crescimento em todos os anos, exceto 2020, por causa da pandemia da Covid-19. Há no estado mais de 21 mil custodiados.Direito universal garantido na Constituição Federal, o ensino público para os reeducandos da Penitenciária Odenir Guimarães, Casa de Prisão Provisória (CPP) Feminina, Presídio Feminino e Módulo de Respeito de uma fábrica de roupas, todos no Complexo, é ofertado pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc) na modalidade educação a distância (EaD).O jornal acompanhou uma tarde nas salas da escola da POG. As salas de aula têm semelhanças com as de unidades convencionais, mas as grades que separam os alunos dos professores e o controle rígido de circulação mediante vigilância de policiais da Diretoria Geral de Polícia Penitenciária (DGPP).Gestores do sistema afirmam que a educação contribui para o processo de ressocialização e os reeducandos veem no ensino a oportunidade de recuperar o tempo perdido, reduzir a pena e se preparar para o reencontro com a liberdade.Pela modalidade EaD, periodicamente eles recebem o material das quatro áreas do conhecimento: matemática, linguagens, ciências humanas e ciências da natureza. Os professores organizam o conteúdo e monitores, que são os próprios alunos, fazem a distribuição.Os alunos recebem semanalmente material para poder responder às atividades anexadas ao conteúdo. A ida às salas de aula têm previsão de ocorrer a cada 15 dias. As tarefas retornam para os professores que fazem correção e dão notas.Diretor da escola da POG desde 2019, padre José Júnior afirma que o ensino é na modalidade Educação de Jovens e Adultos e contempla as três fases da educação básica: ensino fundamental 1 e 2 e ensino médio. A segunda etapa é a que tem o maior número de matrículas.O diretor da escola afirma também que houve caso de alunos que ingressaram na unidade de ensino para cursar a primeira etapa do ensino fundamental 1 e, ao sair de lá, chegaram a ingressar no ensino superior. “A maior parte dos alunos, em 15 anos que nós tivemos aqui, nós não vimos retornar para a cadeia.”O diretor da POG, Erivaldo da Silva Alves, partilha do mesmo entendimento do diretor da escola. “Nada melhor que a cultura e a educação para transformar pessoas. Nós temos o nosso lema da segurança que é ordem, disciplina e respeito. A partir do momento que temos isto, conseguimos trabalhar a ressocialização, que é a vontade de todos”.Alves afirma que a estrutura educacional do Complexo não consegue atender toda a demanda por falta de estrutura física. “Já está em andamento, inclusive na segunda-feira (11) com a Secretaria de Educação sobre a reestruturação do colégio. Está prevista a reforma. É um colégio que é feito na estrutura de placas, mas já tem o projeto e a verba. Vamos refazer todo o colégio e ampliar.”A cada 12 horas de aula, o que corresponde a três dias de ensino, os alunos têm a redução de um dia na pena. O mesmo acontece com quem trabalha. O direito é cumulativo.No caso dos reeducandos que estudam no interior do estado, o professor tinha contato presencial com os alunos até o ano passado. Agora, o aluno recebe de um professor mediador o conteúdo impresso e assiste aulas gravadas que são enviadas pelo docente da disciplina.Estudo alimenta expectativas de futuroÉ na escola que Raul (nome fictício), de 34 anos, estuda e trabalha como auxiliar de serviços gerais para reduzir a pena e tornar mais perto o dia de realizar um sonho. Ele almeja fazer um passeio com a filha caçula, de 6 anos, que ele teve nos braços enquanto tinha liberdade quando ela ainda era um bebê de colo.Raul cumpre pena por homicídio, roubo e tráfico de drogas. Ele está prestes a completar 6 anos de cárcere dos mais de 10 a que foi sentenciado. Além de cuidar da limpeza, ele é uma das pessoas que fazem cópias do material pelos quais os reeducandos têm acesso ao ensino.Além da garota de 6 anos, Raul tem outros dois meninos de 8 e 12 anos. Além das crianças, que o visitam, a esposa, mãe do primogênito o espera do lado de fora do presídio.O reeducando diz que o ensino contribuiu para “mudar a mentalidade” dele. Entre os planos para quando cruzar o portão rumo à liberdade, está o de montar um negócio próprio. Enquanto isto ele cursa a 1ª série do ensino médio.“O estudo para mim é bom para eu adquirir mais conhecimento para quando eu for para a rua, ter uma inteligência a mais para abrir um negócio, até mesmo para conversar melhor com as outras pessoas. A questão da remissão também é bom, porque me ajuda a ir embora mais cedo. É muito importante, a educação é tudo para a gente.”Para Guilherme (nome fictício), de 36 anos, que também cursa a 1ª série do ensino médio, estudar tem motivos semelhantes aos de Raul, mas ele destaca a mudança de perspectiva de vida e a redução de pena. Ele cumpre pena por roubo e estupro. A condenação é de 14 anos, dos quais dois ele já cumpriu. Guilherme também trabalha com a cópia de materiais. “Para mim o estudo representa expectativa de um futuro melhor.”Edward Correia Lima Filho, de 60 anos, está na rede estadual de ensino há quase 25 anos, 21 deles na escola da POG. O professor de ciências humanas lembra histórias como a de um aluno que foi alfabetizado na unidade e saiu com o ensino médio concluído.Histórias como essa e a dos dois personagens deste texto são o que o faz não pensar em mudar de local de atuação. “Através da educação eles tentam começar de novo. É a abertura de um novo mundo para eles”, descreve o docente.“Vim para cá não por acaso. Tive o livre arbítrio. Mas eu sinto que o trabalho que eu faço aqui é mais gratificante e eu estou atendendo a parcela da população que mais precisa, pela história de vida deles”, conta Edward.