Embora invisibilizadas pelas políticas públicas de mobilidade urbana, as bicicletas em Goiânia são numerosas e a estimativa apontada em pesquisa do Instituto de Pesquisa Multiplicidade é que a capital goiana seja a quarta do País na relação deste veículo por habitante. O índice calculado com base na última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é a existência de 0,19 bicicleta por habitante, ou seja, cerca de 280 mil. No entanto, a maior parte é utilizada em vias com o compartilhamento do espaço com veículos automotores e pedestres, já que Goiânia está entre as quatro piores capitais brasileiras em quantidade de ruas seguras e propensas para o uso das bikes.Atualmente, a cidade possui 39,30 quilômetros (km) de ciclovias, que são os espaços totalmente segregados fisicamente das ruas, e 20,35 km de ciclofaixas, em que há apenas uma delimitação de sinalização ou física mínima entre o local dos carros e das bicicletas. A soma de ambos concede um índice de 3,83 km a cada 100 mil habitantes, o que coloca Goiânia na quarta colocação entre as piores capitais, de acordo com o levantamento da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) junto às demais prefeituras das capitais brasileiras.Locais como a Avenida Vera Cruz, no Jardim Guanabara, e Avenida Vereador José Monteiro, no Setor Negrão de Lima, são dois trechos em que a Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) tem verificado a existência de volume de ciclistas, o que deve redundar em projetos para a construção de espaços mais seguros. Para se ter uma ideia, na última sexta-feira (24), os agentes da pasta contaram a passagem de 108 ciclistas entre 6h44 e 7h44 na via do Negrão de Lima no cruzamento com a Rua 257, quase em frente ao Parque Agropecuário de Goiânia, o que corresponde a uma média de 1,8 bicicletas a cada minuto.Uma semana antes, na Avenida Vera Cruz com a Avenida São Francisco, no Jardim Guanabara, entre 6h40 e 7h40, foram contabilizadas as passagens de 181 ciclistas, ou seja, mais de três por minuto. O diretor de transportes da SMM, Jean Damas, afirma que essas contagens realizadas em pontos específicos da capital demonstram a presença das bicicletas no espaço urbano e a necessidade de realizar políticas públicas de mobilidade urbana visando a segurança do ciclista, sobretudo com a construção de mais vias cicláveis. A promessa da gestão atual do município é chegar a um total de 100 km de ruas com prioridade para as bicicletas e proibidas para veículos automotores até o final do mandato.Damas conta que a SMM ainda não possui o número oficial de ciclistas na cidade e nem mesmo teve acesso à estimativa feita pelo Instituto Multiplicidade. “A gente tenta fazer levantamentos pelos grupos de ciclistas que temos, ver quem anda mais para ir ao trabalho ou para lazer, é essas contagens que temos feito. Tem também o PlanMob (Plano de Mobilidade) que está sendo construído junto com a UFG (Universidade Federal de Goiás) que tem algumas informações sobre isso, mas nós não temos hoje um dado oficial de quantas pessoas usam as bicicletas diariamente”, afirma o diretor.Ele completa que, até por isso, a atual gestão da SMM criou a diretoria de transportes para avançar no projeto para a ampliação dos trechos cicloviários na cidade, que, segundo ele, estava parado há 10 anos. Ele se remete à iniciativa de construção das vias cicláveis a partir da gestão de Paulo Garcia (PT), entre 2010 e 2016, que iniciou projeto de construção de ciclovias ao longo dos corredores preferenciais de ônibus, como das avenidas Universitária e T-63. “Existia essa cobrança e fizemos um grupo de trabalho, começamos a buscar soluções e formas de ampliar a rede valorizando as pessoas que já utilizam as bicicletas e não fazendo pedaços de ciclovias”, relata.Pesquisadora e fundadora do Instituto de Pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana, Gláucia Pereira, explica que não necessariamente exista uma relação direta entre a quantidade de bicicletas em uma cidade e a de vias exclusivas para os ciclistas. “A bicicleta é um veículo reconhecido pelo Código de Trânsito Brasileiro e pode trafegar em todas as vias das cidades. Ruas com velocidades mais baixas são mais cicláveis, mesmo sem ciclovia ou ciclofaixa. É óbvio que uma política pública voltada para o modo de transporte ativo, em especial a bicicleta, e que crie infraestrutura para incentivar o uso, contribui. Mas o uso da bicicleta pode estar relacionado com questões culturais da cidade, de práticas que foram incentivadas em outros tempos”, diz.Gláucia complementa que o uso das bicicletas também pode ter relação com a economia, por exemplo, já que a alta do combustível pode forçar as pessoas a buscarem alternativas de deslocamento. “Inclusive, na última década, cidades grandes e médias brasileiras investiram em infraestrutura cicloviária em regiões mais centrais e mais ricas, mas o uso da bicicleta em periferias sempre foi presente. Um transporte público deficitário, que é comum no Brasil, pode incentivar as pessoas a outras formas de transporte. Questões topográficas também podem incentivar o uso, cidades mais planas podem ser mais convidativas ao uso de bicicletas”, considera.Pesquisadora garante que dados revelam potencial da cidadeDe acordo com a pesquisadora e fundadora do Instituto de Pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana, Gláucia Pereira, a estimativa do número de bicicletas em Goiânia, colocando a cidade como a quarta capital do País na relação da quantidade do veículo por habitante, “representa que há um potencial enorme a ser incentivado pelo poder público”. “Está na Política Nacional de Mobilidade Urbana que o transporte ativo deve ser uma prioridade para as administrações públicas. As gestões que não atentarem para isso estão atrasadas. Hoje há um apelo cada vez maior para o uso da bicicleta e outros modos ativos como andar a pé, justamente por serem modos de transporte não poluentes. Estamos cada vez mais enfrentando eventos climáticos severos e os modos ativos podem minimizar os impactos”, afirma Gláucia.A pesquisadora completa que com o conhecimento da atual gestão acerca deste potencial atual e da possibilidade de novos ciclistas em Goiânia, “é preciso mapear onde estão essas pessoas, quais são as rotas mais usadas e criar infraestrutura para isso”. Segundo ela, a integração da bicicleta por meio da construção de bicicletários em terminais de ônibus é importantíssima. “Uma política de isenção de impostos para empresas que incentivam pessoas que trabalham ali a irem de bicicleta também pode ser uma política interessante”, diz.Para o diretor de transportes da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), Jean Damas, o potencial para uso da bicicleta na capital não é tão visualizado pelos demais ocupantes das vias, o que gera críticas à gestão quando se investe em espaços para os ciclistas, porque há grande utilização em horários alternativos, como o início da manhã e dispersão ao longo do dia. “A ciclovia fica vazia no meio da tarde porque tem muito sol ou chuva, mas entre 6h30 e 8h, mesmo no meio de semana, tem muita gente usando.”Outro ponto é fazer com que o ciclista utilize as vias destinadas às bicicletas como busca de dar segurança a essas pessoas. Damas conta que a criação da ciclofaixa permanente na Rua C-149 do Setor Jardim América, no ano passado, se deu justamente após dados internos da secretaria de que a região era líder em número de acidentes envolvendo ciclistas na cidade. “Muitas vezes não é nem envolvimento com os carros, mas ao passar em algum buraco, ou andar pela calçada e desviar de um pedestre. Fizemos para dar segurança a esse ciclista.” No entanto, por ser um veículo de mobilidade ativa, em que o usuário busca sempre o caminho mais curto e de menor esforço, o que não significa o mais seguro, é preciso reforçar a necessidade das estruturas preferenciais, com a criação da infraestrutura adequada.“É um processo de educação e esclarecimento da sociedade, fazemos reunião com pessoas que pedalam na cidade. Buscamos essa conscientização do uso correto da bicicleta. Às vezes a pessoa já está acostumada com uma rota e nunca passou por nenhum acidente naquele caminho, acha que é tranquilo e prefere continuar por ali, mesmo tendo uma ciclovia ao lado. O que nós precisamos é mostrar que é mais seguro. A ciclovia da Avenida T-63 é um exemplo disso, uma via segregada, no canteiro central, com toda a segurança”, considera. O diretor aponta ainda que a bicicleta é um modal importante para a mobilidade urbana em Goiânia.Criar novas vias não é único caminhoA criação de espaços exclusivos ou prioritários para as bicicletas em uma cidade não é o único modelo de política pública de mobilidade urbana para incentivar o uso de bicicletas e dar segurança aos ciclistas. Pesquisadora e fundadora do Instituto de Pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana, Gláucia Pereira explica que um caminho mais rápido e mais barato é readequar as velocidades das vias para 30 quilômetros por hora (km/h). “Se não der, no máximo 40 km/h nas avenidas. O município pode e deve reduzir as áreas de alta velocidade. É preciso readequar as velocidades com áreas 30 e restringir o uso do automóvel”, afirma.Para ela, essa ação pode diminuir o número de colisões e lesões e trazer mais segurança para quem pedala. “A cidade e as ruas são para todas as pessoas e não devem ser uso exclusivo dos automóveis. Melhorar o transporte público também contribui com isso, pois as pessoas podem deixar os carros em detrimento de um bom sistema de transporte.” O diretor de transportes da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), Jean Damas, explica que a intenção é conceder segurança aos ciclistas e aproveitar a rede já existente de vias cicláveis.No começo de fevereiro, a reportagem noticiou acordo da SMM com a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) para a construção de mais 10 trechos cicloviários na cidade, ao custo de R$ 28 milhões. O projeto vai ampliar a rede cicloviária em mais 50 quilômetros (km). “Queremos vincular as ciclovias existentes a locais atrativos aos trabalhadores. Um exemplo é o trecho do Câmpus II (da Universidade Federal de Goiás, no Conjunto Itatiaia) para a Praça Universitária, pois já existe essa demanda”, confirma.Deste novo projeto, os dois primeiros novos trechos a serem construídos serão essa do Câmpus II ao Setor Leste Universitário, de 8,5 km, e outra, do Terminal Isidória à BR-153, via Avenida Segunda Radial, no Setor Pedro Ludovico, de 1,7 km, contando com a instalação de uma ponte sobre a Marginal Botafogo. Damas garante que os projetos da atual gestão é a construção de vias exclusivas (ciclovias) ou prioritárias (ciclofaixas), mas em alguns trechos específicos será necessária a passagem dos ciclistas por espaços compartilhados com os veículos automotores.