A rede municipal de Saúde de Goiânia possui uma fila de 9,8 mil pessoas aguardando por consultas médicas com oftalmologista, 3,3 mil por exames e aproximadamente 4 mil por cirurgias. Especialista aponta que, em alguns casos, a demora no atendimento pode levar pacientes a perda irreversível da visão e que melhora na Atenção Primária é imprescindível.O ex-presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), Marcos Ávila, explica que existem doenças que causam cegueira reversível, como a catarata, e doenças que causam cegueira irreversível, como a retinopatia diabética e o glaucoma. “A prevenção dessas doenças com cegueira irreversível acontece por meio do diagnóstico precoce. Por isso, precisamos ter um sistema de rastreamento que seja efetivo”, diz.Ávila esclarece que para que haja a identificação dos casos de doenças oftalmológicas de forma precoce é imprescindível fortalecer a Atenção Primária. “É preciso treinar os médicos da Saúde da Família para identificar os pacientes de risco. Em torno de 85% dos problemas oftalmológicos podem ser resolvidos em consultas qualificadas feitas na Atenção Primária”, afirma.Com o fortalecimento da Atenção Primária, Ávila destaca que a pressão na Atenção Terciária, que tem maior grau de especificidade e complexidade, diminui. “Além disso, é preciso destacar que a Atenção Primária é menos onerosa, pois grande parte dela se trata de consultas. Para se ter ideia, alguns casos de glaucoma em fase inicial são tratados apenas com colírios”, pondera.UsuáriosNesta terça-feira (27), o DAQUI mostrou que o Centro de Referência em Oftalmologia (Cerof) da Universidade Federal de Goiás (UFG), no Setor Leste Universitário, promoveu uma adequação do espaço físico da unidade de saúde após denúncias de longas filas para acessar os serviços do local. A unidade criou uma sala de espera, com cerca de 200 cadeiras. Segundo o Cerof, o convênio firmado com a Prefeitura de Goiânia em dezembro de 2020 tem sido atendido em sua totalidade e, mesmo assim, a demanda permanece mais elevada que a oferta de vagas contratualizadas.O vice-presidente da Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (Adveg), Romeu de Lima, conta que as reclamações de deficientes visuais que não conseguem ter acesso aos procedimentos oftalmológicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são constantes. “É um problema que não fica só em Goiânia. Recebemos esses relatos do interior também”, pontua.Lima explica que não são raros os casos em que pacientes precisam apelar para o serviço privado para conseguirem realizar consultas, exames e cirurgias. “Recentemente tivemos o caso de uma mulher que era do interior e veio tratar um glaucoma em Goiânia, mas não estava conseguindo agendar uma cirurgia. Para não perder a visão, ela arrecadou o dinheiro com a ajuda de outras pessoas e pagou o procedimento”, relata.O vice-presidente da Adveg aponta que os perfis de pessoas que buscam por atendimento oftalmológico na rede pública são variados. “Desde pessoas que precisam de uma primeira consulta até aquelas que já têm alguma doença e precisam de um acompanhamento mais rotineiro com consultas e exames. Também tem as que têm casos graves e precisam de cirurgias, além daquelas que precisam de laudos médicos para poderem participar de um concurso ou então solicitar um benefício como o Passe Livre”, esclarece.ExperiênciaA estudante de Psicologia, Elda Morais, de 44 anos, enfrenta dificuldades com o atendimento oftalmológico oferecido pela rede municipal de Saúde desde 2011. Depois de se consultar em um mutirão feito pela Prefeitura, ela foi encaminhada com urgência para o Hospital de Olhos. “Me consultei com um retinólogo. Ele me passou sessões de laser com urgência e disse que se eu não as fizesse poderia ficar cega. Entrei com o pedido para fazer pelo SUS e nunca tive retorno. Fiz com a ajuda da minha família. Foram cinco sessões que custaram R$ 500 cada”, conta.Desde então, a visão de Elda foi se deteriorando. “Minha visão ia embora e do nada voltava. Como me consultar aqui era difícil, meu irmão conseguiu uma consulta para mim no Mato Grosso. Tenho miopia degenerativa e lá eu fiz uma cirurgia refrativa. Minha visão melhorou e voltei a minha vida normal. Um dia, levei uma cotovelada no transporte público e tive que fazer um reposicionamento de urgência pelo SUS. Depois disso, quanto mais mexiam, mais piorava.”Então, Edna optou por fazer um plano de saúde. Algum tempo depois, ela foi diagnosticada com catarata. Operou um olho pelo plano de saúde e outro pela rede pública. “Tive muitos problemas nesse olho (operado pelo SUS)”, destaca. Em 2019, ela perdeu a visão completamente. Atualmente, ela faz acompanhamento com o Serviço de Visão Subnormal do Cerof. “Para conseguir um laudo médico é coisa de três a quatro meses de espera”, desabafa.Edna conseguiu o laudo mais rapidamente porque argumentou que precisava apresentar o documento para se matricular e conseguir ter acesso a ferramentas de inclusão educacional. Atualmente, ela cursa o primeiro semestre de Psicologia em uma instituição particular de Goiânia. “Não vou dizer que é fácil. O mundo não é adaptado para os deficientes visuais. Entretanto, se pelo menos o acesso aos serviços de saúde fosse mais fácil, sofreríamos menos”, emociona-se a estudante.Prefeitura diz que trabalha com demanda represadaA Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que a grande fila de procedimentos oftalmológicos em Goiânia se justifica pelo fato de que a secretaria ainda trabalha com uma demanda represada por conta da pandemia da Covid-19, quando os atendimentos eletivos foram suspensos. A pasta comunicou que a Prefeitura tem autorizado e encaminhado “milhares de procedimentos, mensalmente, com a finalidade de colocar fim à demanda reprimida”. Somente no mês de maio passado, foram realizados pelos quatro prestadores credenciados pelo SUS – Centro de Referência em Oftalmologia (Cerof), da Universidade Federal de Goiás (UFG); Fundação Banco de Olhos; Instituto de Olhos de Goiânia e Hospital de Olhos Vila Nova – um total de 26 mil atendimentos na área de oftalmologia, sendo 4,8 mil consultas oftalmológicas, 19,4 mil exames e 1,8 mil cirurgias. A SMS explicou ainda que com a finalidade de reduzir o tempo de espera dos pacientes, a Prefeitura tem levado consultas oftalmológicas até a população, por meio do Programa Saúde Mais Perto de Você, que oferece atendimentos médicos aos sábados para moradores de bairros vulneráveis. A 13ª edição do programa será realizada no Centro de Saúde (CS) Michele Muniz, no Setor Cidade Jardim, no próximo sábado (1º). Segundo a Prefeitura, nas 12 primeiras edições foram realizadas 5,3 mil consultas com a população da capital.A secretaria também esclareceu que a porta de entrada do atendimento oftalmológico na rede municipal é a Atenção Básica. “Após a consulta em uma unidade da Atenção Básica, caso haja necessidade, o médico solicita o encaminhamento para consulta especializada que é protocolada no sistema. Assim, o paciente é encaminhado para a rede especializada e conveniada ao SUS”, destacou trecho de nota enviada pela pasta.Em relação a fila existente no Cerof, na última segunda-feira (27) a Prefeitura informou que não tem nenhuma relação com quantidade de procedimentos autorizados pela SMS, mas trata-se de uma estratégia de marcação de consultas adotada pela unidade e que “o número de procedimentos oftalmológicos para o Cerof, é autorizado conforme a capacidade técnica da unidade.”