Kaleb Barbosa, 28 anos e de Rubiataba, contou como foi aterrorizante a primeira viagem de repatriados do Brasil após o início do governo de Donald Trump
Após ser repatriado juntamente com outros 87 brasileiros, o goiano Kaleb Barbosa, de 28 anos, relatou momentos de tensão durante o voo vindo dos Estados Unidos ao Brasil. A aeronave estava prevista para pousar em Belo Horizonte na noite da última sexta-feira (24), mas teve de aterrissar em Manaus, para passar por manutenção. Este foi o primeiro voo com deportados enviado após Donald Trump assumir o governo dos EUA e os migrantes chegaram ao País algemados -- o que, no passado, já gerou impasse diplomático entre as duas nações.
"Foi uma viagem muito difícil. Trataram a gente muito mal. Estragou o ar-condicionado, avião estava em péssimas condições, estragado. Teve de parar no Panamá, viajar com mecânico. Eu nunca vi isso, viajar com mecânico dentro do avião. Não queria funcionar, mas tomamos uma atitude drástica e abrimos a porta de emergência e pedimos socorro, quando chegou a Manaus", relatou, em entrevista concedida no Aeroporto Internacional de Confins, na capital mineira.
Após o pouso na capital amazonense, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, determinou a retirada das algemas dos deportados e o envio de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para finalizar o trajeto até Minas Gerais. De lá, 84 repatriados seguiram viagem até o destino final e chegaram na noite de sábado (25). Outros quatro permaneceram em Manaus. A ação citada por Kaleb repercutiu mundo afora, com a imagem de brasileiros algemados do lado de fora da aeronave pedindo por ajuda.

No Aeroporto de Confins, em Minas Gerais, mãe abraça filho repatriado que chegou em avião da FAB (GISLAINE OLIVEIRA/Agencia Enquad)
"Pessoas começaram a passar mal, hipertensos, gente com diabetes. Tinham crianças chorando, a turbina estava falhando. Um momento muito ruim, condições precárias. Ficamos com muito medo. Foi muito crítico, coisa de filme, que nunca mais quero viver na vida", contou. "Em Manaus estava saindo fumaça da turbina e eles (tripulação) mesmo assim querendo viajar. Creio que, se tivesse vindo esse avião, todos estaríamos mortos, então tomamos uma atitude drástica e fomos para cima, mesmo com eles nos agredindo, e abrimos a porta de emergência."
Natural de Rubiataba, no interior goiano, Kaleb morava havia seis anos em Kirkland, cidade localizada no estado de Washington e trabalhava como "house cleaning" (limpeza de casas). Ao chegar ao aeroporto de Belo Horizonte, levava em mãos apenas um saco, onde guardava uma coberta, toalha e a roupa que foi dada a ele ainda em Manaus, além de alguns livros. "Deixei tudo para trás. Casa, carro...", contou.
O goiano relata ainda que a prisão era degradante. "Mau atendimento médico, comida muito ruim mesmo. Desumano". Agora, cita, a previsão é permanecer no Brasil, ou tentar um futuro na Europa. "Já deu o que tinha de dar", respondeu Kaleb, ao ser questionado sobre um possível retorno aos Estados Unidos.
Itamaraty
O Itamaraty, por sua vez, disse no sábado (25) que pedirá explicações ao governo Trump sobre o "tratamento degradante" contra os brasileiros no voo de deportação. Os migrantes que chegaram a Belo Horizonte no sábado relataram agressões, ameaças e tratamento degradante que sofreram por parte dos agentes de imigração americanos.
Vários disseram ter ficado 50 horas algemados, sem ar condicionado no voo e sujeitos a abusos dos americanos. Relataram, como também disse Kaleb, que só conseguiram alertar as autoridades brasileiras depois de abrir uma das portas de emergência do avião e gritar por socorro do alto da asa. "A gente disse pra eles: nós não vamos mais viajar neste avião, chama nossa polícia, tira a gente daqui", afirma Denilson José de Oliveira, 26 anos. "Senti muito medo. Parecia que estavam tentando nos matar."
Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o governo Lula determinou a retirada das algemas dos brasileiros assim que foi informado da situação pela PF. O ministro falou em "flagrante desrespeito" aos direitos dos brasileiros. O Planalto enviou um avião da Força Aérea Brasileira para fazer o transporte até Belo Horizonte, destino final do voo original.
Trump reage com sanções à recusa colombiana de receber deportados
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse neste domingo (26) que seu governo impôs sanções contra a Colômbia depois de o presidente Gustavo Petro se recusar a receber dois voos militares americanos carregando deportados. Trump anunciou uma série de medidas contra o país latino-americano: proibiu membros e apoiadores do governo Petro de viajar aos EUA e suspendeu seus vistos; prometeu tarifas alfandegárias de 25% contra mercadorias colombianas, dizendo que vai subir o porcentual para 50% em uma semana; e falou em "sanções financeiras e bancárias" contra o país, aliado mais tradicional dos EUA na América do Sul.
"Acabo de ser informado que dois voos de repatriação dos EUA, com um grande número de criminosos ilegais, não tiveram o pouso autorizado na Colômbia. Essa ordem foi dada pelo presidente socialista da Colômbia, Gustavo Petro, que é muito impopular entre seu povo", escreveu Trump na sua rede social Truth Social. Na avaliação do presidente americano, a decisão de Bogotá "coloca em risco a segurança nacional e segurança pública dos EUA", o que justificaria as medidas drásticas. Essa é uma das primeiras sanções impostas por Trump desde que voltou ao poder, e o fato de estarem relacionadas à imigração mostram a centralidade do tema para o republicano neste novo mandato.
"Essas medidas são apenas o começo. Não permitiremos que o governo da Colômbia viole suas obrigações legais em relação ao retorno de criminosos que eles forçaram contra os EUA", conclui Trump no comunicado. Nas redes sociais neste domingo, Petro citou o caso dos brasileiros que chegaram algemados ao País e acusam agentes de imigração americanos de agressão e tratamento degradante ao dizer que não aceitará deportações em aviões militares.
De acordo com uma autoridade americana que falou à agência de notícias Reuters em condição de anonimato, o avião com 80 migrantes já havia decolado do estado da Califórnia quando o governo colombiano suspendeu a autorização. Na sexta (24), mesmo dia em que os brasileiros começaram sua viagem de deportação, a imprensa americana relatou que o México também se recusou a receber um voo militar com deportados.
Citando o caso brasileiro, Petro disse neste domingo (26) que não permitirá aviões militares dos EUA façam voos de deportação até o seu País. "Um migrante não é um criminoso e deve ser tratado com a dignidade que um ser humano merece", afirmou Petro em publicação no X. "Não posso fazer com que migrantes fiquem em um país que não os quer; mas se esse país os devolve, deve ser com respeito, em aviões civis", afirmou. "A Colômbia exige respeito." O presidente colombiano ressaltou que mais de 15 mil americanos em situação irregular vivem em seu país.
Já o voo que estava marcado para levar outros 80 migrantes deportados para o México teve a autorização do governo mexicano rescindida antes de decolar. Outros três voos com destino à Guatemala com 80 pessoas cada, dois deles, militares, foram concluídos sem problemas, disseram autoridades americanas à emissora NBC. A Cidade do México não deu detalhes para a recusa do voo. (Victor Lacombe / Folhapress)