Em cerimônia individual que contou com a presença do presidente da Câmara, suspeito de integrar organização criminosa teve investidura no cargo realizada
O Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu para investigar as circunstâncias da posse do vereador eleito Osvaldo José Seabra Júnior, conhecido como "Osvaldo Cabal" (PL), 39, na Câmara Municipal de Ceres, cidade a 180 km de Goiânia. Foragido da Justiça, o parlamentar tomou posse reservadamente na Casa fora da cerimônia oficial no dia 1º de janeiro.
A principal questão levantada pelo MPE é a situação de Cabal, que é alvo de um mandado de prisão preventiva expedido no âmbito da Operação Ephedra. A operação, conduzida pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), investiga um esquema de produção e distribuição de rebite --- um estimulante usado por caminhoneiros --- e outras drogas. O vereador é suspeito de integrar a organização criminosa, além de lavar dinheiro proveniente das atividades ilícitas.
Cabal tomou posse em uma cerimônia que contou apenas com a presença do presidente da Câmara, Glicério Júnior (DC), e um representante do departamento jurídico, o assessor Daniel Prados. Essa sessão reservada gerou questionamentos sobre a legalidade do ato.
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A Câmara de Ceres informou, por meio de nota, que a cerimônia que empossou os vereadores, prefeito e vice-prefeito eleitos ocorreu às 10h do dia 1º de janeiro, com a constatação da ausência de Cabal. Ainda no mesmo dia, às 15h58, porém, o parlamentar compareceu à Casa e foi dado posse ao vereador, em ato reservado.
À reportagem, o assessor jurídico da Casa presente na posse, afirma que o caso gera estranheza, mas não trata-se de algo "incomum", "proibido" ou "que tenha sido feito exclusivamente para ele". "A primeira vista causa estranheza mesmo, mas vou te falar que não é incomum", diz o assessor jurídico. "Na enorme maioria das cidades do Brasil, os regimentos internos preveem que aqueles que não compareçam à cerimônia de posse marcada, possam tomar a posse individualmente em período posterior. No caso de Ceres, em até 15 dias depois", afirmou Prados.
O regimento interno da Câmara de Ceres define que os vereadores eleitos que não comparecerem à sessão solene de instalação e posse poderão prestar compromisso e assumir o cargo em até quinze dias após a cerimônia. Entretanto, o prazo pode ser prorrogado se a ausência for justificada e aceita pela Câmara, considerando a "cessação do motivo impeditivo como novo marco inicial para contagem do período de posse".
Caso o vereador não tome posse dentro do prazo estipulado e a justificativa apresentada não seja considerada válida pela Câmara, o presidente deverá declarar o mandato extinto. Nesse cenário, o suplente da coligação ou partido será imediatamente convocado para assumir a vaga, garantindo o pleno funcionamento da Casa Legislativa.
"Um exemplo simples: suponhamos que um vereador tivesse ido para a posse às 10h da manhã e o carro dele tivesse quebrado, e ele não tivesse conseguido chegar a tempo, ele poderia vir tranquilamente depois e tomar posse. Ele tem esse direito", afirma Prados. "Ele apareceu, se valeu da prerrogativa que ele tinha. Precisava ser um ato pessoal. Nós não o faríamos se fosse por procuração", prossegue o assessor jurídico, acrescentando que "tem a impressão" de que Cabal foi orientado juridicamente sobre essa possibilidade de posse.
Apuração
O promotor eleitoral Pedro Furtado Schmitt Corrêa requisitou à presidência da Câmara de Ceres cópias das imagens das câmeras de segurança que possam ter registrado a entrada e permanência de Cabal no edifício. Também foi solicitado o registro do livro de posse e o regimento interno da Casa para averiguar se os procedimentos adotados foram compatíveis com as normas locais. Além disso, o MPE busca identificar quais pessoas estavam presentes no momento da posse.
Cabal teve a prisão preventiva decretada há quase um mês, após policiais encontrarem na sua residência um arsenal composto por pistolas e fuzis, além de suspeitas que o ligam à lavagem de dinheiro do tráfico de drogas. Na mesma operação, outras 23 pessoas também foram denunciadas por participação na quadrilha. Cabal foi eleito vereador pelo PL com 427 votos. A reportagem não conseguiu contato com a sua defesa até o fechamento desta edição.
O assessor jurídico da Câmara de Ceres afirma que todas as solicitações do MPE serão respondidas e garante que "tudo está ocorrendo com a maior transparência". Prados também diz que a Casa desconhecia oficialmente o antecedente criminal de Cabal e que, até então, não havia recebido qualquer solicitação formal de órgãos investigativos a respeito do caso.
A reportagem tentou contato com o presidente da Câmara, Glicério, mas foi informada por Prados de que ele não se manifestará sobre o assunto.
A reportagem conversou com parlamentares de Ceres, sob anonimato, que dizem que a fama de Cabal na cidade "não é das melhores" e que o seu perfil já era do conhecimento dos demais vereadores. Com a repercussão do caso, afirmam que a cidade e a Câmara estão vivendo um desgaste, uma vez que boa parte da população é "leiga" sobre o assunto.
Em 2010, um caso envolvendo Cabal ganhou destaque após uma operação da Divisão Estadual de Narcóticos (Denarc) desarticular uma quadrilha de traficantes que transportava drogas do Paraná para Goiás. Durante a ação, realizada na praça de pedágio de Céu Azul, policiais apreenderam 60,4 quilos de crack e 70,4 quilos de maconha em um fundo falso de uma caminhonete com placas de Goiânia.
Cabal, à época com 24 anos, foi preso por trabalhar como batedor para a caminhonete em um Corsa, com placa registrada em Ceres. Segundo a polícia informou na ocasião, o grupo, sofisticado em suas operações, monitorava as comunicações policiais e transportava até 200 quilos de crack por mês, movimentando milhões de reais no mercado do tráfico.