O processo judicial que trata do assassinato do motorista de aplicativo Sebastião Filho Ibiapino de Miranda, aos 41 anos, a mando de um pastor que teria manipulado fiéis a acreditarem que a vítima seria estuprador de crianças teve uma reviravolta, e agora, para o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), não há provas suficientes para incriminar o religioso.A Polícia Civil havia levantado que Sebastião foi morto porque o pastor Josselice José Barbosa, de 57 anos, com quem a vítima planeja abrir um espaço para eventos em sociedade, havia desistido do negócio por questões financeiras e não queria mais repassar sua parte conforme prometido.O motorista frequentava, junto com a esposa, a igreja liderada por Josselice. Para ter o sucesso no crime, ainda segundo a polícia, o religioso teria contado com a ajuda de dois fiéis, conhecidos da vítima, manipulando-os, e outras três pessoas amigas de um destes fiéis.Para conseguir convencer os supostos comparsas a executar o crime, o pastor teria gravado uma conversa na qual Sebastião lhe teria feito confissões de cunho sexual e de supostos crimes de aliciamento de menores de idade e mostrado esta gravação para Samuel e Johnathan, deixando-os revoltados.Ao apresentar as alegações finais para a Justiça decidir se os acusados vão ou não a júri popular, o MP-GO afirmou ter mudado o entendimento sobre o crime e que o motorista teria sido vítima de um dos fiéis presentes no culto, revoltado com as imputações contra a vítima e frustrado por um negócio que não avançou com ela. Mas sem a influência do pastor. O crime foi após evento no Morro do Mendanha que terminou na madrugada de um domingo, em novembro do ano passado.O promotor Sérgio Luís Delfim, da 92ª Promotoria de Justiça de Goiânia de Crimes Dolosos Contra a Vida, decidiu levar adiante a acusação apenas contra o outro fiel do grupo do pastor, Johnathan Monteiro Duarte, e dois amigos deste, Joel Afonso da Silva e João Vitor Leal Vicente, que de fato teriam participado da abordagem, da morte e da ocultação do cadáver.O promotor livrou do pedido de pronúncia Samuel Steves da Silva, fiel acusado inicialmente de ajudar na simulação do culto para atrair a vítima e de participação no homicídio.Um sexto acusado, Matheus Henrique Ramalho de Souza, amigo de Johnathan, foi denunciado por receptação do carro de Sebastião após o crime, mas aceitou um acordo de persecução penal e se livrou de uma possível punição.O trio acusado pela morte teria gravado um vídeo jogando o corpo de Sebastião em um córrego no qual é possível ouvi-los dizendo: “Esse aqui é jackão safado”, expressão usada no meio criminoso para se referir a um estuprador. Entretanto, ainda segundo as investigações iniciais, eles teriam simulado o roubo do carro da vítima para fazer parecer um crime de latrocínio com a ajuda de Matheus.ReviravoltaApós as oitivas e argumentações feitas perante o juízo, o MP-GO mudou o entendimento sobre o envolvimento de Josselice e Samuel e afirma não haver “indícios suficientes de participação dos acusados em nenhum dos crimes”. “Isso, obviamente, não implica em absolvição e impossibilidade de que, surgindo provas mais efetivas, venha o caso a ser retomado, e determinada a submissão de ambos ao crivo do Conselho de Sentença.”O pastor confirmou ter gravado o áudio, mas argumentou que era para juntar provas de crimes contra a vítima e que em uma das vezes Johnathan e Samuel entraram na sua casa na hora e ficou indignado. O religioso nega ter pedido ou sugerido que se cometesse o crime.Ficou mantida a versão de que Samuel teria, a pedido do pastor, dado carona para Jonathan e que este estava junto com Joel e João, e todos teriam participado do culto. Samuel e Josselice contam que a vítima se ofereceu para levar os três fiéis embora ao final do evento.“Mas isso não prova que Josselice e/ou Samuel tenham determinado o cometimento do crime ou participado materialmente do mesmo, até porque há nos autos informações de que pelo menos Johnathan e Joel (o primeiro, com mais assiduidade) costumavam frequentar os cultos do pastor. Então, sua presença naquela reunião não seria algo novo, inesperado”, escreveu o promotor.Pesou a favor do pastor e de Samuel o segundo depoimento da esposa da vítima, na qual ao contrário do primeiro ela confirmou que o marido e Jonathan estariam negociando o uso de uma sala no espaço para eventos, que era comum cultos aos sábados no morro e que ela poderia ter ido ao encontro, pois ninguém havia pedido para o motorista ir sozinho.A testemunha reforçou que o marido havia notado uma diferença no comportamento do pastor, este começando a dizer que queria desfazer a sociedade, mas no entendimento do MP-GO poderia ser pelas acusações que o réu passou a fazer indiretamente contra Sebastião.A esposa disse que antes do crime o pastor havia comentado com ela sobre um suposto passado do motorista relacionado a condutas sexuais que vão contra o que é aceito pelo grupo religioso e sugerindo o envolvimento da vítima com crimes sexuais. E acrescentou que posteriormente, quando ela estava ao lado dele e o nome de Johnathan apareceu na conversa o religioso sugeriu que ele e o marido dela poderiam estar tendo uma relação amorosa e também uma desavença por negócio.Para o promotor, não restou provado qual seria o benefício que o pastor teria com a morte de Sebastião para que houvesse uma motivação para o mando do crime. Já com relação a Johnathan, além da desavença por a vítima não aceitar a parceria, havia o ganho financeiro com veículo roubado.Na petição, o promotor aponta que são coincidentes os depoimentos de Josselice, Samuel e sua esposa (que esteve presente no culto), enquanto os de Johnathan, Joel e João “desenvolveram-se de forma anômala, com um crescente de imputações” contra o pastor e outro fiel.Sérgio Luiz cita que o réu foi mudando a versão colocando cada vez mais culpa no pastor, sem apresentar provas, e que, apesar de ter confessado a autoria no início, ao final do processo alegou inocência, dizendo que ele e os amigos só deram encaminhamento ao cadáver.“Embora Johnathan, Joel e João Vitor neguem envolvimento com o crime de homicídio, imputando-o a Josselice e Samuel, a prova vem em sentido contrário, incriminando-os”, afirma o promotor, listando o vídeo gravado, um áudio de Johnathan ao pastor e o depoimento da esposa de João.Para o promotor, Johnathan, “que já tinha ficado nervoso com a negativa da vítima em ceder-lhe um espaço para montar uma loja, aumentou sua revolta ao ouvir o áudio com as confissões sobre atividade sexual ilícita e/ou imoral da vítima.” “Por isso, reuniu seus amigos Joel e João Vitor e aproveitou a oportunidade para ceifar a vida de Sebastião, pegando-o de surpresa ao final do culto e o esfaqueando até a morte.Defensoria rebate promotorO defensor público Francisco Fabiano Silveira Barros, da 2ª Defensoria Pública Especializada do Júri, rebateu as alegações do Ministério Público e afirmou em petição encaminhada ao Judiciário que não há provas contra Johnathan, que os áudios não têm origem identificada e que os réus “não foram tratados com o mesmo rigor”.Francisco argumenta que, em relação a Josselice e Samuel, “o promotor preferiu fazer interpretações conducentes à impronúncia” por considerar os depoimentos destes e da esposa de Samuel mais coerentes que o dos outros três. Já em relação à Johnathan, “embora sem uma única prova judicial”, preferiu “defender sua crença” contra o acusado. “Assim, em vez de uma análise objetiva, imparcial e rigorosa do acervo probatório, o promotor embarcou na versão de parte dos acusados e passou a acusar os demais”, afirmou o defensor, que representa Jhonathan no processo.O defensor também rebate o pedido do MP-GO para que nem o pastor nem Samuel respondam pelos crimes de fraude processual (a simulação do latrocínio) e de ocultação do cadáver. Segundo Francisco, há provas que incriminam pelo menos o religioso pela fraude.Ao fim, a defesa de Johnathan só pede que este não seja levado ao júri, por falta de provas. As defesas de Joel e João não foram localizadas pela reportagem e não se pronunciaram ainda no processo após o pedido feito pelo promotor Sérgio Luís Delfim, ao menos até a conclusão desta reportagem.