Professor de 53 anos é a primeira vítima fatal desde a liberação das faixas preferenciais do transporte coletivo para as motos. Prefeito não vê ligação entre casos
O professor da rede pública estadual de ensino, Antônio Carlos de Souza, 53 anos, foi a primeira vítima fatal registrada em um corredor do transporte coletivo de Goiânia desde que o prefeito Sandro Mabel anunciou, no dia 6 de janeiro, a autorização para que motociclistas pudessem trafegar nas vias preferenciais para ônibus. O acidente ocorreu no meio da manhã desta quarta-feira (05), na confluência da Avenida 85 com a T-55, no Setor Marista. O motociclista foi atingido na lateral por uma caminhonete Toyota Hilux SW4 que estava na mesma direção - norte-sul - da moto Honda CB 300R que ele conduzia. Com o impacto, o professor foi atirado contra uma árvore e morreu no local.
A condutora da caminhonete, Vivian Bolgenhagen, gestante de 33 semanas, parou o carro, prestou esclarecimentos, fez o teste do bafômetro, que deu negativo, e em seguida refugiou-se na loja que era seu destino inicial. Ela só deixou o local, sem falar com a imprensa, após a retirada do corpo do motociclista e dos trabalhos da perícia. Segundo informações da Polícia Militar, Vivian entrou no corredor de ônibus porque pretendia parar na loja da esquina da 85 com a T-55 e chegou a acionar a seta para a direita, mas o motociclista estava à sua direita, o que causou a colisão.
Professor de Matemática, Antônio Carlos de Souza tinha vínculo com a rede pública estadual de ensino desde 1993. Em agosto de 2024 ele foi lotado no Colégio Estadual Murilo Braga, localizado na Rua 200, na Vila Nova. Segundo colegas de trabalho, era uma pessoa discreta. Ele era pai de três filhos.
A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) lamentou a perda do docente e, por meio de nota, informou que acionou a equipe multiprofissional do Núcleo de Segurança e Saúde do Servidor e do Estudante para dar suporte à família. O grupo também se dirigiu à unidade escolar com o objetivo de dar apoio psicológico e emocional aos alunos e colegas de trabalho do professor.
O Corpo de Bombeiros chegou a ser chamado para atender a ocorrência, mas a equipe nada pôde fazer. Por causa do forte impacto com a árvore de pequeno porte que margeia a Avenida 85, como mostram imagens de câmeras de monitoramento, Antônio Carlos de Souza perdeu a vida logo após a colisão. A família esteve no Instituto Médico Legal para retirar o corpo por volta das 16 horas. O acidente será investigado pela Delegacia Especializada em Investigação de Crimes de Trânsito (Dict).
O perito criminal e judicial de trânsito e membro efetivo da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Antenor Pinheiro, analisou as imagens do acidente disponibilizadas por uma câmera de segurança, a pedido da reportagem. Para ele, com a limitação do tipo de análise, a responsabilidade técnica é do automóvel. "Ele faz uma conversão à direita num momento inoportuno e nesse momento ele obstrui, o que a gente chama de fechamento. Me parece, não deu pra observar, até que a motocicleta é atingida na lateral, por isso ela é projetada à frente e o corpo do condutor choca-se contra a árvore. Mas isso a gente precisa ver no local, fazer as medidas", explica o perito.
Pinheiro acredita que, com a liberação das motocicletas para se locomover nos corredores que antes eram preferenciais apenas aos ônibus, esse tipo de acidente vai ser muito comum, principalmente quando envolver veículos de grande porte. "Muito comum acontecer acidentes dessa mesma natureza, essa colisão lateral, em função de pontos cegos. O motorista, mesmo consultando o retrovisor para fazer a manobra à direita, não enxerga a motocicleta em função de uma posição da motocicleta e a carenagem do veículo. Quanto maior é um veículo que faz a conversão em relação a quem trafega à sua direita ou à sua esquerda, maior é esse espaço cego."
Assim, ele reforça que, permitida a utilização da faixa de ônibus para a motocicleta, que tem um porte bem reduzido, "aumenta, fragiliza-se automaticamente a segurança de quem por ali trafega". Pinheiro ressalta também que o fato de o motorista dar seta não lhe autoriza a efetuar a conversão imediatamente. "A seta é uma sinalização luminosa indicadora de direção, de mudança de direção. O fato de acionar a seta, a pessoa não tem o direito imperativo. Ele não está necessariamente e obrigatoriamente autorizado a fazer a conversão. É muito comum a gente ver isso em Goiânia."
Engenheiro Civil especialista em trânsito e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen avalia que o sinistro ocorrido na Avenida 85 tem mais a ver com o comportamento dos motociclistas e motoristas goianos do que a liberação do corredor para as motos. "Os primeiros cometem todo tipo de abuso e os motoristas nem sempre percebem a presença das motos. Independente do acidente na 85, as ultrapassagens pela direita feitas pelos motociclistas nem sempre são visíveis pelos motoristas." Porém, ele lembra que uma das suas preocupações com a medida, foi de que isso incentiva "os motociclistas a continuarem tendo esse comportamento selvagem que tem em Goiânia".
Para Pinheiro, se não houvesse a liberação e o motociclista, no caso ocorrido na Avenida 85, estivesse ali na faixa preferencial, ele estaria cometendo uma infração de trânsito. "Ainda assim, a responsabilidade do sinistro é a obstrução lateral. Mesmo em situação infracional, o ato, que a gente chama de protagonista direto ativo, é aquele que muda a trajetória e aí intercepta o outro veículo. Então ele responderia por uma infração administrativa de trânsito." Assim, o perito acredita que as motocicletas estarão permanentemente fragilizadas, "seja quando ele estiver transitando paralelamente a ônibus, seja quando ele estiver seguindo uma trajetória e sofrer uma obstrução lateral como essa".
A permissão das motocicletas nos corredores preferenciais de ônibus foi uma promessa de campanha do prefeito Sandro Mabel, efetivada na primeira semana de seu mandato, neste ano. A proposta foi criticada por diversos especialistas em mobilidade urbana que informavam sobre a existência de pontos cegos nos ônibus, o que poderia gerar colisões com os motociclistas e, logo, sinistros de trânsito severos. E ainda pela provável perda de velocidade e eficiência para o transporte público coletivo devido um maior volume de veículos na faixa destinada a eles. O prefeito, no entanto, se baseou na medida que funciona de modo semelhante em Londres (Inglaterra) e cumpriu com a promessa realizada.
Para Mabel, ocorrência não tem relação com liberação
À reportagem, prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, disse que recebeu com tristeza a notícia da morte do professor em um acidente no corredor da Av. 85, mas afirma que a ocorrência nada tem a ver com a linha de ônibus. "Foi um acidente entre uma moto e um carro, cuja motorista não viu o condutor da moto." O gestor ressaltou que após um mês desde que os corredores de ônibus foram abertos para o tráfego de motociclistas, essa foi a primeira fatalidade. "No ano passado, neste mesmo período, já tinham ocorrido quase 12 acidentes em corredores de ônibus. Considero que o projeto é um sucesso total."
De acordo com a Secretaria de Engenharia de Trânsito (SET), em relação a acidentes ocorridos nos corredores de ônibus, houve monitoramento junto ao Corpo de Bombeiros Militar (CBM) e ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Nos dois órgãos, foram registrados dois acidentes este ano. Segundo o CBM, um dos registros foi no dia 17 de janeiro, por volta de 18 horas, na Avenida T-63. A outra ocorrência registrada foi a desta quarta-feira (5), na Avenida 85. A colisão fatal envolveu uma moto e um veículo de passeio.
"O que não dá para afirmar é que o acidente tenha sido causado dentro do corredor, ou por causa da liberação. São inúmeras possibilidades, já que acidentes entre motos e outros veículos acontecem todos os dias na capital, por diversos motivos", afirmou o porta-voz do CBM, tenente-coronel Luiz Eduardo Machado Lobo à SET.
Ainda segundo a secretaria municipal, no mesmo período de 2024, o Corpo de Bombeiros atendeu cinco acidentes que envolveram moto e veículo de grande porte nos corredores preferenciais da capital, sendo dois na Avenida 85, um na Universitária, um na Assis Chateaubriand e um na T-9. A SET informa ainda que a liberação das motos para transitar nos corredores de ônibus tem sido acompanhada de perto e diuturnamente pelos agentes da pasta, que realizam "ações educativas e de fiscalização para garantir a segurança de todos".
Sandro Mabel diz que a autorização para uso dos corredores de ônibus por motos será mantida. "Vejo que os motociclistas hoje estão mais conscientes, tomam mais cuidado. Mais do que isso, desafogou o trânsito. Acredito que essa medida aumentou a velocidade dos veículos fora dos corredores em 6% a 7%."
O prefeito não descartou a possibilidade de ocorrer um acidente envolvendo ônibus e motocicletas nos corredores de transporte coletivo. "Muitos motociclistas andavam de forma irregular nesses corredores, agora estão mais responsáveis. Acredito que vai acontecer mais motociclistas pegarem o ônibus do que o contrário."
Sobre o monitoramento da velocidade, a SET explica que o objetivo global do Plano Nova Mobilidade é aumentar a fluidez no trânsito em 30%, destravar o fluxo de veículos e ajudar carros, ônibus e motos a transitar com menos lentidão. Não há dados, no entanto, sobre a velocidade dos veículos particulares nos corredores. Em relação à velocidade dos ônibus, a pasta informa que "ainda não há estudo porque o transporte público voltou à normalidade há pouco tempo, por causa das férias de janeiro". "Com a normalização do fluxo será realizado o estudo e avaliação técnica", reforça a SET.
O prefeito descartou a possibilidade de realizar de imediato campanhas para que motociclistas usem os corredores de ônibus de forma consciente. "Já fizemos folhetos que foram distribuídos nos primeiros 15 dias e até agora a convivência tem sido boa." Sobre a instalação de radares/fotossensores na Avenida 85, Mabel explicou que em alguns pontos da cidade 20 deles já estão em funcionamento e que aguarda o processo licitatório para que novos equipamentos sejam adquiridos.
