Uma operação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), realizada entre segunda-feira (13) e sexta-feira (17), resgatou 212 trabalhadores em situação análoga à escravidão na região de Itumbiara, no Sul de Goiás. Trabalhadores, vindos principalmente do Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte, viviam em alojamentos insalubres e chegavam a Goiás com dívidas, pois tinham que arcar com transporte até o estado, aluguel de alojamento, alimentação e até equipamentos de trabalho. Os trabalhadores, que foram atraídos para Goiás com a promessa do fornecimento de emprego e infraestrutura, irão receber R$ 3,8 milhões dos empregadores. A Superintendência Regional do Trabalho em Goiás, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), coordenou a operação e contou com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) de Jataí. O auditor fiscal do Trabalho e coordenador da operação, Roberto Mendes, conta que o caso começou com duas denúncias, a cerca de 10 dias, de trabalhadores rurais atuando em canaviais na região de Edeia e Itumbiara sem o equipamento de proteção adequado. “Nos deslocamos até lá e verificamos que os dois casos tinham relação e que a situação era mais crítica do que imaginávamos.”IrregularidadesAs principais irregularidades constatadas que, em conjunto, configuram a situação como sendo trabalho análogo à condição de escravo foram: o aliciamento de trabalhadores no Nordeste; o transporte clandestino desses trabalhadores para Goiás; a cobrança pelos aluguéis dos barracos usados como alojamentos; o não fornecimento de alimentação e a cobrança pelo fornecimento de ferramentas de trabalho.Além disso, também foram constatadas irregularidades nas condições de trabalho como, por exemplo, a ausência de banheiros nas frentes de trabalho, o não fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a aplicação de agrotóxicos sobre áreas onde os trabalhadores estavam laborando.ResponsabilidadeOs contratantes dos trabalhadores são uma usina de cana-de-açúcar, em Edéia, e outros quatro produtores rurais que vendem o insumo para usinas da região. A contratação ocorre por meio de uma empresa terceirizada. Entretanto, Mendes explica que a responsabilidade é dos contratantes. “Elas têm o dever de se ater e fiscalizar as condições das empresas terceirizadas", esclarece.Após serem comunicados da situação, os contratantes assumiram a responsabilidade pelos trabalhadores resgatados e concordaram em realizar o pagamento de R$ 2,5 milhões de verbas rescisórias, mais 50% desse valor de dano moral individual, totalizando R$ 3,8 milhões. Além do dano moral individual, foi proposto o pagamento de dano moral coletivo, no valor de R$ 5 milhões, mas ainda não houve fechamento de acordo com os envolvidos. No que se refere à parte criminal, a PF instaurou inquérito policial para apurar a prática do crime de submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo. A pena chega a oito anos de reclusão. BP Bunge BioenergiaO relatório de sustentabilidade da safra de 2020/2021, a BP Bunge Bioenergia, proprietária da usina de cana-de-açúcar que foi uma das cinco contratantes do serviço terceirizado da empresa que empregava os trabalhadores em condições análogas a escravidão, destaca que "o respeito ao meio ambiente e às questões trabalhistas são premissas da nossa seleção de fornecedores.” “Não contratamos ou trabalhamos com fornecedores que tenham problemas financeiros e de ordem legal, trabalhista ou ambiental. Nossos contratos trazem cláusulas de proteção contra trabalho infantil e trabalho análogo ao escravo (também mencionados em nosso Código de Conduta), bem como de asseguração da empresa contratada no sentido de seguir orientações de respeito ao meio ambiente e à legislação trabalhista. Na safra 2020/2021, 100% dos novos fornecedores foram selecionados com base em critérios socioambientais”, diz trecho do relatório. Em nota, a BP Bunge Bioenergia informou que tomou conhecimento” de uma situação irregular com trabalhadores contratados recentemente por um prestador de serviço em Edéia” e que “agiu companhia agiu rapidamente em defesa dos trabalhadores para garantir as prioridades sociais e humanas e arcou prontamente com os pagamentos indenizatórios.”A companhia comunicou ainda que está “colaborando com as autoridades e apurando rigorosamente os fatos e as devidas responsabilidades para conduzir as medidas necessárias” e que “repudia qualquer prática irregular relacionada à saúde e segurança do trabalhador e não compactua com situações que exponham as pessoas à condição degradante de trabalho, seguindo o cumprimento das leis e normas do País e adotando as melhores práticas e padrões para desenvolver suas atividades em conformidade com os direitos humanos.”A empresa destacou que “trata com seriedade os direitos trabalhistas e exige o mesmo das empresas que integram a sua cadeia produtiva e, por isso, conta com um processo estruturado de seleção, homologação, auditoria, desenvolvimento e melhoria contínua de seus fornecedores e prestadores de serviço. Lamentamos o ocorrido. Para nós, o respeito às pessoas é um valor inegociável.”TerceirizadaA reportagem tentou contato com a S&S Nascimento Serviços e Transportes Ltda., empresa terceirizada que fornecia a mão de obra para as contratantes, mas não obteve resposta até a última atualização desta nota.