Apesar de as divulgações tentarem minimizar a natureza dos procedimentos oferecidos, a clínica recolhia assinaturas das vítimas em um documento com instruções explícitas para cuidados pré e pós cirúrgicos, segundo a Polícia Civil
A dona da clínica de estética investigada por causar deformidades em pacientes criava termos para disfarçar procedimentos que seriam exclusivos para médicos, segundo a Polícia Civil. Karine Giselle Gouveia Silva e o marido dela, Paulo Cesar Dias Gonçalves, foram presos no último dia 18. Ao menos 24 pacientes já denunciaram a clínica por deformações nos rostos.
Para atrair vítimas, disfarçar a ilegalidade das práticas realizadas e evitar questionamentos sobre a realização de procedimentos exclusivos de médicos, como rinoplastias, alectomias e otoplastias, o grupo anunciava tais intervenções sob nomes diferentes, como "reestruturação nasal hd" e "retração de orelha"", afirmou Daniel Oliveira, delegado à frente do caso.
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A reportagem tentou contato com a defesa de Karine Giselle Gouveia Silva e Paulo Cesar Dias Gonçalves na manhã desta quarta-feira (25), mas não obteve retorno até a última atualização desta matéria. Em nota enviada anteriormente, os advogados dos empresários informam que eles tratavam a todos com profundo respeito. "Uma empresa com 8 anos de mercado, mais de 30 mil procedimentos realizados, só se mantém com uma conduta ética, séria e atenciosa", diz o comunicado.
Segundo o investigador, há registro de uma cirurgia de otoplastia, procedimento restrito exclusivamente a médicos, realizada em uma criança e divulgada na rede social da clínica.
"Esses procedimentos eram apresentados como técnicas exclusivas, supostamente desenvolvidas pela Clínica Karine Gouveia", disse o delegado.
Para a polícia, apesar de as divulgações nas redes sociais tentarem minimizar a natureza dos procedimentos oferecidos, a própria clínica recolhia assinaturas das vítimas em um documento com instruções explícitas para cuidados pré e pós cirúrgicos.
Deboche
Os donos de clínica debochavam das reclamações que recebiam, de acordo com Daniel Oliveira.
"As vítimas relataram que Karine e seu marido reagiam com deboche às reclamações sobre as sequelas sofridas. Ambos demonstravam completo desprezo pelas consequências de suas ações, intimidando as vítimas e obrigando-as a assinar termos de confidencialidade para evitar denúncias", afirmou o delegado.
De acordo com o investigador, apesar das intimidações, várias vítimas ingressaram com ações na Justiça contra a clínica de Karine e Paulo.
Manutenção da prisão
Karine e Paulo passaram por audiência de custódia na quinta-feira (19) e a Justiça determinou que o casal continue preso. Na decisão, a juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães, da 1ª Vara das Garantias, afirmou que a privação da liberdade do casal é imprescindível para a continuidade das investigações, bem como para a obtenção de outros elementos de informação quanto à autoria e materialidade dos delitos examinados.
A magistrada pontuou que a prisão temporária é uma medida cautelar cujo objetivo é assegurar a eficácia das investigações. Com a decisão, o casal deverá retornar ao local onde estava segregado, caso seja requerido pela Polícia Civil, ou à Casa do Albergado, devendo lá permanecer até o término do prazo estabelecido na ordem de restrição ou outra determinação judicial.
Sem formação acadêmica
Karine Giselle Gouveia Silva, investigada por causar deformidades a 24 pacientes durante procedimentos e cirurgias, não tem nenhuma formação profissional e era quem fazia o primeiro atendimento das vítimas, segundo a Polícia Civil (PC). Neste primeiro contato, ela indicava quais procedimentos deveriam ser feitos.
Daniel Oliveira pontuou que ela quem fazia a triagem dos pacientes e fazia "promessas falsas", indicando quais procedimentos entregariam o resultado que o paciente esperava. No entanto, ela não tem nenhuma formação superior. "Ela determinava aos profissionais que tinham ali, principalmente dentistas, qual procedimento ia ser feito", disse ele.
A maioria das intervenções realizadas na clínica só deveriam ser feitas por médicos cirurgiões plásticos e algumas por cirurgiões dentistas, segundo o delegado.
A PC confirmou que os conselhos profissionais foram consultados pela polícia e apontaram que os profissionais investigados não possuem registros que comprovem a realização de cursos e especializações necessárias para o exercício de diversos procedimentos e cirurgias que realizavam, como, por exemplo, cursos de especialização em harmonização orofacial para cirurgiões-dentistas.
Em nota, o Conselho Regional de Biomedicina afirmou que está apurando as informações divulgadas pela imprensa e informou ainda que Karine Giselle Gouveia Silva não é biomédica (leia íntegra ao final da reportagem).
Em nota, o Conselho Regional de Odontologia afirmou que não teve conhecimento prévio da operação realizada na manhã da última quarta-feira, que "resultou na prisão prisão de profissionais cirurgiões-dentistas, inscritos neste conselho". O Conselho repudia veementemente qualquer ato que exponha negativamente a imagem dos profissionais da área, que "em sua maioria, exercem sua profissão com excelência, dedicação e respeito à sociedade", diz a nota (leia íntegra ao final da reportagem).
Em nota, o Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) afirmou que a indicação da execução e a execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, são atos exclusivos de médicos, e que portanto, não devem ser exercidos por outros profissionais (leia íntegra ao final da reportagem).
Realização de procedimentos

Imagens mostram ferimentos em vítimas de procedimentos (Reprodução/TV Anhanguera)
Sobre a permissão para realizar os procedimentos dentro das clínicas, o delegado disse que, em Goiânia, a autorização que consta do alvará sanitário era apenas para a realização de "procedimentos minimamente invasivos relacionados à estética".
Ele pontuou também que a atividade econômica no alvará e na Receita Federal aponta atendimento estético como uma subclasse do atendimento de cabeleireiro. Em Anápolis, não havia nenhum tipo de autorização, segundo o delegado. "Ela tentou uma autorização que foi negada e ela nunca arrumou o que foi apontado pela vigilância sanitária", disse.
"Além dessas lesões que elas [as vítimas] sofriam, a gente identificou também, com laudos médicos, a presença de substâncias proibidas como PMMA, óleo de silicone [...]. Ali eram realizadas verdadeiras cirurgias, sem as mínimas condições apropriadas. Então, bisturi cego, falta de iluminação, falta de esterilização, tudo isso foi constatado", disse o delegado.
Segundo o delegado, as lesões são gravíssimas e os pacientes têm sequelas. "São vítimas que tiveram que passar por diversos outros procedimentos para tentar corrigir minimamente o dano que foi causado", disse. Ele ainda disse que, em alguns casos, a própria clínica oferecia outro procedimento reparados e as pessoas não tinham dinheiro para procurar outros profissionais e médicos, e aceitavam. Uma das vítimas retornou mais de 30 vezes ao local.
"Vítimas que saíram pelo país inteiro para buscar algum profissional que tentasse de alguma forma remediar a situação. Há vítimas que estão até hoje em filas do SUS porque não têm dinheiro para pagar esses procedimentos", disse ele.
Entenda o caso
A influenciadora e empresária Karine Gouveia e seu marido, Paulo Cesar Dias Gonçalves, donos de clínicas de estética em Goiânia e Anápolis, foram presos em uma operação policial que investiga procedimentos estéticos e cirúrgicos que causaram danos físicos a pacientes. De acordo com a polícia, os alvos atuavam em uma famosa clínica de estética, localizada no Setor Oeste, em Goiânia, e em outra clínica localizada em Anápolis.
Contra eles, além dos mandados de prisão e de busca e apreensão, foi realizado o bloqueio de contas, bens e valores, totalizando R$ 2,5 milhões, incluindo percentual das cotas de um helicóptero ano 2024, avaliado em R$ 8 milhões. De acordo com a polícia, diversos pacientes procuraram a delegacia para denunciar que após procedimentos estéticos e cirúrgicos realizados na clínica, ficaram com rostos e corpos deformados.

Mandados de busca e apreensão são cumpridos na casa dos suspeitos (Reprodução / Polícia Civil)
Nota Cremego
"De acordo com a LEI Nº 12.842, DE 10 DE JULHO DE 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina, a indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, são atos exclusivos de médicos, portanto, não devem ser exercidos por outros profissionais."
Nota Conselho Regional de Odontologia
"O Conselho Regional de Odontologia de Goiás (CROGO) informa que não teve conhecimento prévio da operação policial realizada na manhã da última quarta-feira, 18 de dezembro de 2024, que resultou na prisão de profissionais cirurgiões-dentistas inscritos neste Conselho. Conforme divulgado pela mídia, os profissionais são acusados de realizar procedimentos estéticos e cirúrgicos que teriam causado danos físicos a pacientes.
Esclarecemos que, de acordo com a Resolução CFO nº 198/2019, os cirurgiões-dentistas possuem formação e capacidade técnica para a realização de procedimentos de Harmonização Orofacial (HOF), respeitando os limites de atuação da profissão, a legislação vigente e os princípios éticos que regem a Odontologia.
O CROGO repudia veementemente qualquer ato que exponha negativamente a imagem dos profissionais da área, que, em sua grande maioria, exercem sua profissão com excelência, dedicação e respeito à sociedade. Reforçamos nosso compromisso de zelar pela ética e pela segurança dos pacientes, promovendo uma Odontologia responsável e de qualidade.
Informamos que eventuais procedimentos administrativos de fiscalização do órgão são sigilosos, não sendo possível compartilhar sua existência ou desdobramentos."
Nota Conselho Regional de Biomedicina
"OConselho Regional de Biomedicina -- 3ª Região (CRBM-3) informa que está apurando as informações divulgadas pela imprensa e só vai comentar o caso após ser notificado.
Informa ainda que a Clínica que pertence à empresária Karine Giselle Gouveia Silva tem registro de Pessoa Jurídica no Conselho. A referida profissional não é biomédica".