Pesquisadores temem efeito prolongado da contaminação por agrotóxicos no Rio Vermelho
Principal manancial que corta a cidade de Goiás foi contaminado por defensivos agrícolas; carga roubada estava em caminhão envolvido em acidente que matou um casal
Malu Longo
23 de dezembro de 2024 às 11:19

Contaminação por agrotóxicos mata centenas de peixes no Rio Vermelho, na Cidade de Goiás (Murilo de Souza/PPGEO-UEG)
A carga de agrotóxicos que contaminou o Rio Vermelho, na cidade de Goiás, após um acidente ocorrido na manhã de terça-feira (17) na GO-164, provocando a morte de um casal, foi roubada no sábado (14) numa serraria no município de Marcelândia (MT). Neste domingo (22), centenas de peixes mortos foram encontrados no manancial que corta a antiga capital. A contaminação, que é monitorada pelas Secretarias de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Municipal do Meio Ambiente da cidade de Goiás, preocupa também o Grupo de Agroecologia e Educação do Campo - Gwatá, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), que teme um efeito prolongado da contaminação .
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O acidente ocorreu depois que o caminhão carregado de defensivos agrícolas que trafegava na GO-164 em direção a Goiânia teve uma falha nos freios. Numa curva, em uma descida pouco antes de chegar ao primeiro trevo de acesso à cidade de Goiás, o motorista perdeu o controle do veículo. Antes de cair no barranco, a 15 metros do Rio Vermelho, o caminhão atingiu a traseira do veículo de passeio onde viajava um casal, que morreu na hora com o impacto. O Corpo de Bombeiros da cidade de Goiás conseguiu retirar o corpo do homem, mas preso às ferragens, o corpo da mulher só foi retirado no dia seguinte. Os ocupantes do caminhão foram encaminhados para atendimento hospitalar.
Logo após o atendimento às vítimas, o Corpo de Bombeiros comunicou à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) que a carga de agrotóxicos ficou espalhada na área e realizou as primeiras ações para remover as embalagens. O ponto onde ocorreu o acidente está dentro da Área de Preservação Ambiental (Apa) Dr. Sulivan Silvestre, criada em 1998 para ajudar a proteger o Parque Estadual da Serra Dourada. A Gerência de Gestão e Prevenção de Incêndios e Acidentes Ambientais (Gegia), da Semad, tomou as providências para mitigar o desastre ambiental, mas chuvas torrenciais na região acabaram levando os produtos tóxicos para o leito do Rio Vermelho.
Peixes mortos foram vistos sobre a ponte que dá acesso ao Museu Casa de Cora Coralina, mas o maior volume neste domingo foi visto no Balneário Cachoeira Grande, que fica na junção do Rio Vermelho com o Rio Bagagem. Em razão da contaminação, no sábado (21), a prefeitura da cidade de Goiás emitiu duas notas, uma da Vigilância Sanitária e outra da Secretaria do Meio Ambiente, orientando a população a não consumir água do Rio Vermelho e não utilizá-la em atividades agrícolas. A administração municipal explicou que, no período chuvoso, a Saneago faz captação de água para oferecer à população nos ribeirões Bacalhau e Pedro Ludovico, que não oferecem risco à saúde humana.
Outra providência tomada pela administração vilaboense foi a interdição do acesso ao Rio Vermelho dentro do Parque Municipal da Carioca, um dos atrativos turísticos da cidade de Goiás. Titular da pasta de Meio Ambiente, Carlos Augusto Ignacio Campos explicou que o parque está aberto para outras atividades, mas não para banho. O acidente ocorreu em um dos poços dentro da área do parque, pouco acima da entrada principal. Os alertas da prefeitura valem até que haja segurança em relação à contaminação do manancial.
No sábado (21), quando peixes mortos começaram a aparecer, a Semad divulgou uma nota explicando que, como a carga era roubada, sem licença ambiental, os fabricantes dos produtos - Bayer e Basf - foram contatados para atender à emergência ambiental. Como prevê a Lei Federal 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, as duas empresas contrataram a Ambipar que enviou profissionais para atuar na descontaminação da área. Segundo a Semad, mais de 95% dos resíduos sólidos foram removidos e barreiras construídas junto ao corpo hídrico, mas as fortes chuvas não impediram a contaminação do Rio Vermelho.
Efeito prolongado da contaminação
Logo após a constatação da mortandade de peixes no Rio Vermelho, o Grupo de Agroecologia e Educação do Campo - Gwatá, da Universidade Estadual de Goiás, divulgou uma nota manifestando preocupação com os efeitos ambientais provocados pela carga de defensivos agrícolas que atingiu o manancial. "Entre os agrotóxicos dispersados pelo acidente estão o Mitrion, o Envoke e o Sphere Max, classificados como altamente tóxicos para organismos aquáticos", diz o comunicado. Pesquisador do Gwatá, Murilo Mendonça Oliveira de Souza explicou que é necessário ir além do monitoramento. "Estamos cobrando a formação de um grupo institucional para pensar nos processos de recuperação ambiental. Agrotóxico não é igual ao óleo que a gente consegue conter."
O Gwatá, que existe desde 2011, integra uma rede de instituições e pesquisadores nacionais e internacionais que discute o impacto dos agrotóxicos para a vida humana e para o meio ambiente. O coletivo envolve desde a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) até médicos e pesquisadores universitários. "Talvez seja o maior grupo que discute esse tema no Brasil", lembra Murilo de Souza. Como se trata de carga irregular, sem documentação, a Semad não sabe o volume transportado e o que ficou na área do acidente. "Esse tipo de agrotóxico penetra no solo e atinge o lençol freático de forma rápida. Os efeitos podem se prolongar porque os princípios ativos que compõem os produtos são persistentes e móveis no meio ambiente", enfatiza o pesquisador.
"Estamos monitorando a situação e em parceria com a Semad fazendo a coleta e análise da água do Rio Vermelho, além de comunicar a população sobre os riscos", afirma Carlos Augusto, titular da pasta municipal do Meio Ambiente. Segundo ele, já no momento da coleta dá para saber se houve contaminação, por isso as providências tomadas. Já a análise química está sob a responsabilidade do Centro de Análises Ambientais e Laboratoriais (Ceamb) da Semad, mas ainda não está concluída. Após verificar a ilegalidade da carga, a Semad acionou a Polícia Civil que investiga o caso.
A reportagem teve acesso à ocorrência policial feita na segunda-feira 16) na Delegacia de Polícia de Marcelândia (MT). A carga de defensivo agrícola foi retirada do almoxarifado de uma serraria que pertence a Adilson Francisco Fistarol. Como a ocorrência do acidente e a situação da carga irregular foi comunicada nos sistemas integrados de segurança, o proprietário foi informado e veio para Goiás para se inteirar dos fatos. Os dois envolvidos, ocupantes do caminhão, que se feriram no acidente e inicialmente foram atendidos no Hospital São Pedro D'Alcântara, na antiga capital, foram encaminhados para o Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage, em Goiânia. Eles estão internados sob a custódia da Polícia Militar.