Geral

Quase 30% da população do Centro-Oeste vive em insegurança alimentar, diz pesquisa

Diretor-executivo da Ação Cidadania avalia que o enfraquecimento de políticas públicas de combate à fome, o modelo de produção agrícola e a inflação dos alimentos contribuíram para o aumento da fome no Brasil

Modificado em 20/09/2024, 00:52

Uma pesquisa da Açāo Cidadania, que está entre as maiores ONGs de combate à fome no Brasil, revela que 28,4% da população do Centro-Oeste vive com algum nível de insegurança alimentar. A informaçāo foi divulgada pelo diretor-executivo da entidade, Rodrigo Afonso, em entrevista a Cileide Alves durante o Chega pra Cá desta terça-feira (28).

A insegurança alimentar pode ser leve, moderada ou grave e ocorre quando não há acesso garantido à alimentação básica necessária para a sobrevivência. Segundo a estimativa de população de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região Centro-Oeste tem 16,7 milhões de habitantes. Sendo assim, cerca de 4,7 milhões de pessoas vivem sem o Direito Humano à Alimentação Adequada na região do País que é destaque na produção agrícola.

Para explicar esses números, Rodrigo Afonso citou o enfraquecimento das políticas públicas de estímulo à agricultura familiar e combate à fome, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o fim da política de estoques reguladores de preços da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), além da extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em primeiro de janeiro de 2019.

O PAA e o Pnae são programas de aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar, que são destinados a escolas públicas e assistência social. ''Esses programas foram drasticamente reduzidos, o que tornou o pequeno e médio produtor, que produzia muito para esses programas, do dia para a noite tiveram que simplesmente se virar.'', afirmou o pesquisador. Segundo a ONG, cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil sāo produzidos pelo pequeno e médio produtor. Para Afonso, esses produtores enfrentam ''uma mudança radical da política de segurança alimentar'''.

Rodrigo Afonso também avaliou o modelo de agricultura praticado pelos grandes produtores para explicar a fome no Centro-Oeste. De acordo com o boletim de grãos de junho da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Centro-Oeste deve bater o recorde de produção e colher 135 milhões de toneladas de grãos na safra 2021/2022. Nesta mesma região, 28,4% da população não tem garantia de alimentação adequada, segundo a ONG.

''Estamos falando de milho, cana-de-açúcar, soja, que são itens que são comoditizados no mundo todo e que que se vende a preços internacionais para quem paga mais. E quem paga mais não é o Brasil, quem paga mais são os países da Europa, a China e outros países. Então no fim do dia a gente subsidia um grande agronegócio para alimentar outros países, e nem alimenta direito porque são alimentos ultraprocessados, e não se dá o incentivo à produção de alimentos aqui no próprio País.''

De acordo com Rodrigo, a pesquisa revelou que a maior parte das pessoas que passam fome no Brasil estão no campo. O diretor da Ação Cidadania pontuou um desequilíbrio entre os incentivos a grandes e pequenos produtores, citando a isenção de ICMS para a exportação de grãos, prevista pela lei Kandir, além do número de empregos gerados pela produção agrícola no Brasil.

''O agronegócio emprega, há 10 anos, 1,4 milhão de pessoas no Brasil inteiro. O pequeno e médio produtor, com um quarto das terras que o agronegócio tem, emprega 10 milhões e meio de pessoas. Então nem no emprego é uma coisa positiva, porque o agronegócio ano após ano se moderniza, no sentido de reduzir a mão de obra manual e botar equipamentos.''

Rodrigo Afonso ressaltou que a ONG não defende o fim desse modelo de produção, mas uma mudança no direcionamento dos incentivos. ''Não é que a gente quer demonizar o agronegócio, no sentido de dizer que o agronegócio não deve existir. Ele deve existir, só que como ele é um negócio, como ele está olhando pura e simplesmente produzir para quem paga mais no mundo, vamos subsidiar quem coloca alimento na mesa do brasileiro, quem paga imposto aqui, que gera emprego aqui, que é o pequeno médio produtor.''

Mapa da fome

Em 2014 o Brasil saiu do mapa da fome. Naquela época, o País tinha menos de 5% da população, cerca de 4 milhões de pessoas, enfrentando algum grau de insegurança alimentar. Até 2018, esse número subiu para 9 milhões e saltou para 22 milhões em 2020, no primeiro ano da pandemia de Covid-19, até chegar aos 33 milhões de hoje. ''É muito assustador. Parece que a gente está vivendo um pesadelo'', lamentou Afonso.

Para ele, o problema teve início com o enfraquecimento das políticas públicas, a partir de 2016, mas se intensificou com o aumento do preço dos alimentos. ''Apesar de uma inflação de 70 a 80% dos alimentos só durante o período da Covid, se somar todo o período de 2017 para cá, é uma inflação de 150 a 200%'', afirma.

Segundo ele, esse aumento dos preços faz com que o valor atual de R$ 400 do Auxílio Brasil, que tem validade até dezembro deste ano, seja insuficiente para combater a fome. Ele também citou o fim do programa de estoque da Conab, que comprava excedente de produção dos pequenos produtores, o que possibilitava a regulação dos preços dos alimentos e o fomento à producāo.

Combate à fome

A Ação Cidadania promoveu na semana passada o Encontro Nacional contra a Fome, reunindo 27 organizações sociais do Brasil para analisar o atual cenário e encontrar saídas para o problema. Segundo Rodrigo Afonso, 600 pessoas compareceram presencialmente e 7.000 remotamente.

A ONG foi fundada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, com apoio do então presidente da República, Itamar Franco. Naquela época, o Brasil tinha 32 milhões de pessoas em situação de fome e foi declarado estado de emergência. Em 2022, 33 milhões de pessoas estão passando fome e outras 65 milhões têm alguma restrição alimentar, segundo dados da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

Rodrigo Afonso em entrevista a Cileide Alves nesta terça-feira (28)

Rodrigo Afonso em entrevista a Cileide Alves nesta terça-feira (28)

Rodrigo Afonso em entrevista a Cileide Alves nesta terça-feira (28)

Rodrigo Afonso em entrevista a Cileide Alves nesta terça-feira (28)

Geral

Inflação leva a novos hábitos e reativa dispensa

Alta de preços obriga a adotar estratégias para reduzir impacto no orçamento; planejar, procurar descontos e evitar desperdício são dicas

Modificado em 22/03/2025, 08:09

Nilza Bonfim, presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores do Estado: é possível se organizar e fazer o dinheiro render um pouco mais

Nilza Bonfim, presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores do Estado: é possível se organizar e fazer o dinheiro render um pouco mais (Fábio Lima / O Popular)

As sucessivas altas de preços trouxeram o fantasma da inflação de volta para a rotina das famílias. Apesar de alguns produtos terem reajustes mais expressivos e comentados nos últimos meses, como café, azeite e ovos, especialistas alertam que os aumentos são generalizados, exigem uma atenção extra ao orçamento e contribuem até para o aumento da inadimplência. Para tentar reduzir o impacto das altas, consumidores têm adotado novos e antigos hábitos de consumo, como buscar mais promoções, substituir itens e até armazenar produtos que estejam em promoção.

A inflação acumulada nos últimos 12 meses em Goiânia, segundo o Índice de Preços aos Consumidor Amplo (IPCA), chegou aos 5,28%. Mas, se considerarmos só o café moído, por exemplo, no mesmo período, a alta já chega a assustadores 86,4% na capital. Só nos dois primeiros meses deste ano, a bebida subiu mais de 20% e o ovo de galinha ficou 15% mais caro para os goianienses.

Ovo sobe mais de 15% e tem a maior inflação no Plano Real; café avança quase 11%
Novo salário mínimo será de R$ 1.518 em 2025
Comércio registra falta de peixes, que ficam caros

O Movimento das Donas de Casa e Consumidores do Estado (MDC-GO) tenta orientar as famílias cujo orçamento ficou mais apertado com cursos onde são oferecidas dicas de economia doméstica e finanças pessoais. "Controlar o orçamento está mais difícil, pois o salário não consegue acompanhar os preços. Mas ainda temos donas de casa que sabem se organizar e fazer o dinheiro render um pouco mais", garante a presidente do MDC-GO, Nilza Bonfim. Ela lembra que o valor do salário já deveria ser de mais de R$ 3 mil para cobrir os gastos básicos das famílias, mas os governos nada têm feito a respeito.

Para a dona de casa, um saco de 5 quilos de arroz por mais de R$ 30 é inviável no orçamento das famílias mais carentes. Por isso, uma das principais dicas do MDC-GO, que serão colocadas nas redes sociais do Movimento nos próximos dias, é a substituição de produtos mais caros por outros mais baratos. "As pessoas ficam muito ligadas a marcas nobres. Mas é preciso conhecer e testar novos produtos com preços melhores e que podem ser tão bons como as marcas premium", alerta.

Para Nilza Bonfim, a compra semanal em busca de promoções ainda é a mais recomendada para conseguir descontos. "Cada supermercado faz promoções de produtos específicos em determinados dias, quando é possível encontrar preços menores, principalmente nos setores de carnes e verduras", adverte. Outra dica é comprar o básico que será consumido na semana para evitar desperdícios. "Precisamos aprender a reaproveitar e a comprar frutas e verduras de época e na quantidade certa que vamos consumir na semana", orienta.

Ela lembra que é possível substituir carnes de primeira por vários cortes mais baratos de segunda para fazer uma carne de panela ou um ensopado, por exemplo, além de consumir mais frango e suínos, que estão com preços mais em conta. "As pessoas não costumam ter uma regra de compra e vão às compras muito por impulso. Enchem a geladeira, não consomem e acabam jogando muita coisa fora", alerta.

Outra sugestão do MDC para evitar desperdícios é fazer um cardápio prévio para a semana. "Você faz quatro variedades de cardápios semanais. Um para cada semana do mês. Com planejamento, a família acaba comprando só o que precisa mesmo. A economia é doméstica e 80% dela é controlada em casa", adverte Nilza Bonfim.

Promoções
Para o presidente da Associação Goiana de Supermercados (Agos), Sirlei do Couto, os reajustes têm acometido mais produtos pontuais, como café, ovos, arroz e azeite. Para ajudar os clientes a reduzirem o impacto da inflação no orçamento e manter as vendas, os supermercados têm feito mais promoções diárias, com ofertas de produtos específicos para cada dia da semana, a fim de incentivar o cliente a economizar.

Couto ressalta que preços altos também são ruins para os supermercados, que precisam reduzir a margem de lucro para manter as vendas num patamar aceitável. Por isso, a saída tem sido comprar volumes maiores de produtos não-perecíveis em busca de maiores descontos, como o café, que todo dia tem subido. "Compramos um volume maior para ter estoque e uma margem melhor para trabalhar", destaca o presidente da Agos.

Em um cenário de inflação elevada, Sirlei do Couto acredita que o consumidor está mais atento às promoções no varejo, como as que os supermercados fazem diariamente em cada seção de produtos, para tentar economizar. Segundo ele, muitos clientes já optam por levar uma quantidade maior destes itens com preço mais em conta.

"As pessoas perderam o hábito de estocar e vão muitas vezes ao supermercado ao longo do mês. Mas, hoje, quando há uma promoção de verdade, o melhor é comprar mais destes itens com preço mais em conta para estocar e evitar um novo aumento, apesar dos estabelecimentos limitarem o número de unidades por cliente nestas ações", ressalta Couto.

Geral

Ovo sobe mais de 15% e tem a maior inflação no Plano Real; café avança quase 11%

Produtos pressionaram a inflação do grupo alimentação e bebidas no IPCA

Ovos na cartela

Ovos na cartela (Reprodução/Pixabay)

O ovo de galinha e o café moído, dois produtos tradicionais da mesa do brasileiro, registraram inflação de dois dígitos em fevereiro, segundo dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) divulgados nesta quarta (12) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A alta dos preços do ovo foi de 15,39% no mês passado. É a maior inflação mensal desde o início do Plano Real. Na série histórica do IPCA, uma elevação mais intensa do que essa havia sido registrada em junho de 1994 (56,41%), antes de o real entrar em circulação.

Já o café moído teve inflação de 10,77% em fevereiro. É a maior em 26 anos, desde fevereiro de 1999 (12,55%).

O café está em trajetória de alta no IPCA desde janeiro de 2024. Segundo Fernando Gonçalves, gerente da pesquisa do IBGE, problemas de safra têm levado a uma disparada das cotações no mercado internacional.

"O café teve quebra de safra no mundo, e a gente continua com essa influência", disse.

Gonçalves afirmou que uma combinação de fatores está pressionando os preços dos ovos. O técnico citou três questões: a maior demanda em razão do retorno das aulas no país, as exportações devido a problemas de gripe aviária nos Estados Unidos e os impactos do calor na oferta no Brasil.

"O tempo quente influencia a produção dos ovos, o bem-estar das aves", disse.

Os dois produtos pressionaram a inflação do grupo alimentação e bebidas no IPCA. A alta dos preços desse segmento foi de 0,70% em fevereiro. A taxa, contudo, foi menor do que a de janeiro (0,96%).

As quedas dos preços de mercadorias como batata-inglesa (-4,10%), arroz (-1,61%) e leite longa vida (-1,04%) ajudaram a conter o resultado de alimentação e bebidas. Banana-d'água (-5,07%), laranja-pera (-3,49%) e óleo de soja (-1,98%) também mostraram baixas.

Em 12 meses, a inflação acumulada por alimentação e bebidas está em 7%. É a maior dos nove grupos do IPCA. Educação (6,35%) aparece na sequência.

A carestia da comida virou dor de cabeça para o governo Lula (PT) em um momento de queda da popularidade do presidente.

Em busca de uma redução dos preços, o governo anunciou que vai zerar a alíquota de importação de produtos como carne, café, milho, óleos e açúcar.

Associações de produtores, por outro lado, afirmaram que a medida é inócua. A ausência de fornecedores competitivos é apontada como uma das explicações para essa análise.

Lula diz que brasileiros devem evitar comprar alimentos caros para driblar inflação

Para melhorar o atual cenário, o presidente incentiva que os consumidores substituam itens caros por produtos similares que tenham preços mais acessíveis

Modificado em 06/02/2025, 20:32

Presidente Lula diz que brasileiros devem evitar comprar alimentos caros

Presidente Lula diz que brasileiros devem evitar comprar alimentos caros (Reprodução / Instagram)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, na manhã desta quinta-feira (6), que os brasileiros devem evitar comprar produtos caros para controlar a alta da inflação de alimentos. Segundo o presidente, "uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo".

"Se você vai num supermercado aí em Salvador e desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tiver essa consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar [o preço], senão vai estragar", disse Lula em entrevista às rádios Metrópole e Sociedade, da Bahia.

O petista afirma que o controle nas compras faz parte da "sabedoria do ser humano" e que esse é um processo educacional que precisará ser feito com o povo brasileiro. Durante a entrevista, Lula também declarou que o povo não pode ser extorquido e que é necessário que todos os setores da cadeia produtiva tenham responsabilidade.

Para melhorar o atual cenário, o presidente incentiva que os consumidores substituam itens caros por produtos similares que tenham preços mais acessíveis.

O chefe do Executivo disse ainda que o aumento do dólar aconteceu porque o BC (Banco Central) teve uma gestão "totalmente irresponsável" e deixou "uma arapuca que a gente não pode desmontar de uma hora para a outra".

Afirmou também que o aumento do salário mínimo deve ser compensado com redução dos preços dos alimentos e que sua gestão pretende "ver o que pode fazer para garantir que a cesta básica caiba dentro do orçamento do trabalhador".

Nas redes sociais, as afirmações do presidente foram criticadas por políticos da oposição. "Para Lula, a população, para combater a inflação, não deve comprar o produto se estiver caro. Já quando os gastos são do Lula, o céu é o limite", disse o senador pelo Paraná, Sergio Moro.

"Nada de cortar gastos nos ministérios, colocar gente competente nas estatais ou gerir melhor a economia. Para o governo, basta que os brasileiros parem de comer, beber e se deslocar", diz o senador pelo Piauí e presidente nacional do Progressistas, Ciro Nogueira.

Mudar a fruta?

Em janeiro deste ano, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, também em meio a alta da inflação, sugeriu que os brasileiros "trocassem a laranja por outra fruta".

Durante uma coletiva, o ministro explicou que os preços dentro do Brasil e fora estão elevados, em grande parte por causa de doenças nas produções. A sugestão do ministro foi, então, de que os produtos mais caros também fossem substituídos por outros.

"O preço internacional está tão caro como aqui. O que se pode fazer? Mudar a fruta que a gente vai consumir. Em vez da laranja, [comer] outra fruta. Não adianta você baixar a alíquota, porque não tem produto lá fora para colocar aqui dentro. Então focaremos, evidentemente, no produto que estiver mais barato lá fora", disse.

Melhoria nos preços?

Desde a última semana, o presidente afirma que o governo está trabalhando para solucionar a alta nos preços. Ainda durante a entrevista desta quinta (6), Lula diz que conversas estão sendo realizadas com empresários e que a competência da Fazenda, do Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento Agrário está sendo utilizada.

"Isso não é programa de governo. É quase uma profissão de fé. Comida barata na mesa do trabalhador é uma coisa que nós estamos perseguindo", afirmou o petista.

Geral

Inflação fica maior para mais pobres com pressão de alimentos

Alta é de quase 5% segundo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Inflação fica maior para mais pobres com pressão de alimentos

(Divulgação)

Com a pressão dos alimentos e da energia elétrica, a inflação acelerou principalmente para os consumidores mais pobres no Brasil. É o que indicam dados publicados neste mês pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Para as famílias com renda domiciliar muito baixa (menos de R$ 2.105,99 por mês), a inflação acumulada em 12 meses passou de 4,34% até setembro para 4,99% até outubro.

A alta de quase 5% é a mais intensa para essa faixa de consumidores desde fevereiro de 2023 (5,86%), período inicial do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

À época, o acumulado ainda era influenciado, em grande medida, pela carestia de itens como alimentos durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Ao marcar 4,99%, a inflação das famílias com renda muito baixa superou em outubro as taxas registradas pelos outros cinco grupos de rendimento pesquisados pelo Ipea.

Isso mostra uma diferença na comparação com o cenário até setembro deste ano. Naquele mês, eram as famílias do outro extremo da distribuição, com renda considerada alta (acima de R$ 21.059,92), que acumulavam a maior alta de preços: 4,72%.

A inflação dos mais ricos, porém, desacelerou a 4,44% nos 12 meses até outubro. Com o resultado, o grupo passou a marcar a menor taxa entre os seis pesquisados pelo Ipea.

As famílias com renda alta, aliás, foram as únicas que tiveram desaceleração nos preços no acumulado até o último mês. Esse movimento foi influenciado pela trégua no custo das passagens aéreas em outubro, diz a pesquisadora Maria Andreia Lameiras, responsável pelo levantamento do Ipea.

Os bilhetes de avião pesam mais no orçamento dos mais ricos. Quando as tarifas têm alívio, tendem a levar a inflação desse grupo para baixo.

Já a alimentação, proporcionalmente, consome uma fatia maior dos gastos dos brasileiros com renda inferior. "O alimento bate muito na inflação dos mais pobres: 25% do orçamento dessas famílias é gasto com a compra de alimentos", diz Lameiras.

"Quando tem uma alta acentuada dos preços, há uma pressão inflacionária maior para o segmento de renda mais baixa", acrescenta.

A pesquisadora lembra que, após a supersafra de 2023, já era esperada uma carestia da comida em 2024.

A questão, segundo a técnica, é que a alta foi intensificada por uma série de problemas climáticos como a forte seca e as queimadas deste ano, que afetaram diferentes cultivos no campo.

A estiagem, aponta Lameiras, também encareceu as tarifas de energia elétrica e as carnes.

"A gente já sabia que, no segundo semestre, teria menos abates e oferta menor de carnes, mas, como o pasto foi muito queimado, parte da alimentação do gado teve de ser feita via ração, e isso também encareceu o custo de produção. As carnes acabaram subindo ainda mais", afirma.

De acordo com o Ipea, as famílias com renda considerada baixa (entre R$ 2.105,99 e R$ 3.158,99) acumularam a segunda maior inflação nos 12 meses até outubro: 4,96%. Os consumidores com renda média-baixa (4,72%), média (4,68%) e média-alta (4,63%) vieram na sequência.

Para calcular as variações, o Ipea leva em consideração dados do IPCA, o índice oficial de inflação do Brasil, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os pesos dos produtos e serviços são adaptados de acordo com o perfil da cesta de consumo das famílias nas diferentes faixas de renda.

De acordo com Lameiras, os alimentos devem seguir pressionados até o final do ano, o que impactaria sobretudo a inflação dos mais pobres. Ela lembra que as mercadorias costumam subir em um movimento sazonal nesse período.

O dólar alto é outro fator que tende a influenciar parte dos alimentos, especialmente importados, aponta a pesquisadora.

A inflação da energia elétrica, por outro lado, deve mostrar alívio. Isso tende a ocorrer porque, com a melhora nas chuvas, a bandeira tarifária passou para a cor amarela em novembro, após dois meses no nível vermelho. A medida reduz a cobrança adicional nas contas de luz.

"A inflação dos mais pobres é composta basicamente por alimentos, por gastos no domicílio, gás de cozinha e energia elétrica, e também por transporte público", diz Lameiras.

A pesquisadora acrescenta que o final do ano é marcado por mais dinheiro circulando na economia graças a fatores como o 13º salário.

Segundo ela, o quadro pode impulsionar a demanda por bens industrializados e serviços e, consequentemente, pressionar os preços.

No caso dos serviços, Lameiras lembra que dezembro costuma mostrar uma procura por passagens aéreas e outros itens de lazer. São componentes que pesam mais na inflação das famílias mais ricas.

"Vamos ter uma inflação pressionando ainda todas as faixas de renda nos últimos meses do ano", prevê.

Faixas de renda mensal domiciliar consideradas pelo Ipea

Muito baixa: abaixo de R$ 2.105,99
Baixa: entre R$ 2.105,99 e R$ 3.158,99
Média-baixa: entre R$ 3.158,99 e R$ 5.264,98
Média: entre R$ 5.264,98 e R$ 10.529,96
Média-alta: entre R$ 10.529,96 e R$ 21.059,92
Alta: acima de R$ 21.059,92