Paço informou apenas o Tribunal de Contas e tornou pública a decisão nesta sexta-feira (14), após questionamento do POPULAR. Empresa derrotada também já sabia
A licitação para renovar o parque semafórico de Goiânia, avaliada em até R$ 53 milhões, foi cancelada pela Prefeitura faltando 11 dias para o final da gestão do então prefeito Rogério Cruz (SD). O despacho foi entregue ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO), mas nunca chegou a ser publicizado, nem mesmo no Diário Oficial do Município (DOM). O processo licitatório teve início em 2020, no último ano da gestão de Iris Rezende, porém encontrou diversos entraves na administração passada. Após uma última suspensão pelo TCM-GO, em maio de 2024, havia sido liberada dois meses depois, mas foi abandonada pelo Paço Municipal desde então.
A atual gestão da Prefeitura já informou ao TCM-GO sobre o cancelamento da licitação e a intenção de fazer um novo processo, porém não apresentou formalmente nenhum prazo. No começo de março, o prefeito Sandro Mabel (UB) havia confirmado à imprensa a intenção de transferir a gestão do parque semafórico da capital para a Rede Metropolitana de Transporte Coletivo (RMTC), consórcio de empresas responsáveis pelo transporte coletivo público na região metropolitana de Goiânia. Ele também havia confirmado a intenção de colocar semáforos inteligentes em alguns novos corredores até o final deste mês, mas isso não avançou.
Cerca de três horas após O POPULAR procurar a assessoria da Prefeitura questionando por que até o momento não houve a publicidade do cancelamento da licitação, a Secretaria Municipal de Administração (Semad) atualizou, no meio da tarde desta sexta-feira (14), a página onde aparecem todos os trâmites do processo licitatório e disponibilizou um despacho assinado pelo atual titular da pasta, Celso Dellalibera. O documento entregue ao TCM-GO datava de 20 de dezembro e era assinado pelo ex-titular da pasta de Trânsito, Marcelo Torrubia. Ao órgão, Marcelo alegou que a licitação estava demorando demais e que estava desatualizada, pois teria sido feita a partir de estudos técnicos de 2020.
Servidores da Prefeitura de Goiânia são alvos de operação contra fraude no ponto eletrônico Mutirama tem 17 dos 26 brinquedos estragados
Polêmicas
A licitação foi dividida em três lotes, sendo o primeiro o fornecimento e implantação de centro de controle operacional (CCO), o segundo o fornecimento, manutenção e comunicação de software de controle de tráfego e o terceiro a prestação dos serviços de manutenção preventiva e corretiva, em campo laboratorial, do sistema semafórico instalado. O Consórcio Goiânia Semafórica, formado pelas empresas Kapsch Trafficcom e Newtesc Tecnologia e Comércio, ambas de São Paulo, ficou em primeiro nos lotes 1 e 3, enquanto a Innovia Soluções Inteligentes venceu o lote 2. Posteriormente, a Innovia foi desclassificada e o consórcio assumiu esse lote também. O lote 1 não precisou de teste de capacidade.
Os imbróglios que travaram a licitação no primeiro semestre de 2024 envolvem os lotes 2 e 3, nos quais as empresas com melhores propostas precisam passar por um teste de capacidade técnica. A Innovia não apareceu na data da prova e por isso perdeu a disputa. Já no lote 3, o consórcio chegou a ser considerado desclassificado e, após uma discussão que foi parar na Justiça e no TCM-GO, ele conseguiu o direito de fazer novos testes a partir de julho. O problema é que desde então a Prefeitura não deu mais nenhum passo. Em um despacho de 30 de outubro, a Diretoria de Compras e Licitação da Semad reclamou da morosidade e do silêncio por parte da pasta de trânsito.
Os semáforos em Goiânia não são sincronizados e a manutenção é feita de forma manual pela própria Secretaria Municipal de Engenharia de Trânsito (SET). Entretanto, como a administração municipal não consegue dar andamento à licitação desde 2022, a SET aderiu a uma ata de registro de preço em novembro de 2023 para comprar por R$ 3,2 milhões as peças de reposição dos semáforos junto ao Consórcio Trânsito Inteligente, de Campos de Goytacazes (RJ). Em novembro de 2024, o contrato sem licitação foi renovado por mais 12 meses.
O detalhe é que o consórcio tem como empresa líder a Dataprom Equipamentos e Serviços de Informática, de Curitiba, que foi responsável pelo controle do parque semafórico de Goiânia entre 1997 e 2019 e conseguiu manter contratos emergenciais para manutenção dos equipamentos até abril de 2022. Na licitação do parque semafórico, entretanto, ela ficou em terceiro nos lotes 1 e 3 e em quarto no lote 2. Ela entrou na licitação com lances iniciais, mas não chegou a apresentar propostas mais baixas. Com a desclassificação momentânea do Goiânia Semafórica no lote 3, a Dataprom seria a próxima convocada.
Avisos
Em julho do ano passado, assim que a Prefeitura confirmou que estava -- ao menos no papel -- retomando a licitação dos semáforos, a Dataprom entrou com uma ação na Justiça questionando os critérios de avaliação da capacidade técnica das empresas participantes. Em outubro, sem explicar o motivo, informou ao Judiciário que desistia do processo. Mas, como a ação ainda tramitava, em fevereiro a empresa reforçou o pedido de desistência, informando que a Prefeitura desistiu da licitação em dezembro e encaminhou o despacho assinado por Marcelo Torrubia. A ação foi extinta em 3 de março e, dois dias depois, a Prefeitura se manifestou favorável à decisão.
Em um ofício encaminhado para o TCM-GO em dezembro e protocolado no sistema do órgão em 16 de janeiro, o então titular da pasta de trânsito da Prefeitura informa que decidiu pela revogação do pregão eletrônico após sua equipe técnica concluir que havia uma "defasagem temporal do procedimento", pois o planejamento da licitação teria sido iniciado em 2020, e havia necessidade de "adequação à realidade tecnológica econômica atual". "Ademais, verificou-se que a adoção de diretrizes contemporâneas às disposições da Lei Federal nº 14.133/2021 são indispensáveis para garantir maior transparência, eficiência e segurança jurídica ao processo licitatório."
A manifestação de Marcelo cita as constantes judicializações do pregão, com mais de uma suspensão a pedido do TCM-GO e revisão do edital, mas não aborda os problemas causados pela própria Prefeitura durante a tramitação do processo licitatório. O texto do despacho assinado pelo ex-titular da área de Trânsito também vai contra o que a pasta informava até dois meses antes, quando dizia apenas aguardar que a Semad marcasse os novos testes para finalizar o processo licitatório. Em dezembro, a pasta de Trânsito informou apenas que "trabalha nos próximos passos em função do plano de governo eleito", sem citar que decidiu pelo fim do pregão.
O despacho assinado por Marcelo foi protocolado dentro do processo que tramita no TCM-GO a partir de uma denúncia feita em fevereiro de 2024 pelo Consórcio Goiânia Semafórica. Ainda não houve uma resposta oficial e pública do tribunal à manifestação feita em dezembro pela Prefeitura. O POPULAR apurou que a orientação deve ser no sentido de que o Paço Municipal siga as recomendações que haviam sido feitas a respeito do pregão cancelado.
Respostas
A Prefeitura de Goiânia informou que o cancelamento da licitação vale oficialmente desde a tarde desta sexta-feira, quando o despacho assinado pelo atual titular da Semad foi anexado aos autos do pregão eletrônico. "O aviso de revogação já foi publicado no Portal da Transparência e protocolado para divulgação/publicação no Diário Oficial do Município e em jornal de grande circulação, garantindo ampla publicidade ao ato." As empresas participantes serão informadas apenas por meio dessas publicações.
A assessoria do Paço Municipal também mantém a afirmação do prefeito de que os semáforos inteligentes serão instalados inicialmente nos corredores das avenidas Castelo Branco, Mutirão, 136 e Jamel Cecílio e que a responsável por esse serviço será a RMTC. Porém, ao ser questionada sobre quando isso aconteceria, diz apenas que está sendo elaborado "um acordo de cooperação técnica", no qual o consórcio operacional de empresas do transporte coletivo "se compromete a atuar em regime de mútua cooperação" por serviços como a metronização, sincronização semafórica e outros.
Marcelo Torrubia, que deixou a pasta de Trânsito ao final da gestão de Rogério Cruz, foi nomeado pela atual administração no dia 10 de março para o cargo de assessor especial técnico II na Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária. Segundo a Prefeitura, trata-se de um cargo técnico para atuar na pasta e que o mesmo ainda não tomou posse. Marcelo é muito próximo do presidente da Câmara Municipal, Romário Policarpo (PRD).