Projeto de reestruturação iniciado em 2019 previa extinção de 57 graduações e 15 câmpus, mas ações ainda não foram finalizadas. Instituição estadual já saiu de 5 cidades goianas
Desde que foi apresentado o relatório final da Comissão de Redesenho, em 2019, na Universidade Estadual de Goiás (UEG), a instituição já descontinuou 48 ofertas de cursos de graduação e 5 câmpus. No documento, que foi rejeitado pelo Conselho Superior Universitário (CsU), a previsão era que fossem extintas 57 ofertas de cursos e 15 câmpus, mas a decisão do grupo na época foi de tomar como base o relatório para uma reavaliação. Ficou decidido que 30 dos 57 cursos apontados seriam reavaliados. Na época, o documento foi rejeitado sob o argumento de que ele foi realizado apenas por gestores da UEG, sem a participação da comunidade acadêmica.
Outras 39 ofertas de cursos não receberam qualquer ingressante neste ano e ainda podem ser descontinuadas nos próximos anos, com a exceção da graduação em Medicina, no câmpus de Itumbiara, que possui um vestibular à parte e que ainda não teve o resultado revelado. Vale explicar que a descontinuidade é descrita pela instituição como de "oferta" e não de "curso", já que um mesmo curso (como de Pedagogia, História, Administração, etc.) pode ser ofertado em mais de um câmpus e a exclusão se dá em um local específico e não de toda a universidade. Há ainda 6 ofertas que possuem menos de 10 ingressantes neste ano, o que pode ocorrer devido à migração entre os câmpus, em relação a cursos que estão sendo descontinuados.
A UEG tem adotado como política o não retorno dos cursos que apresentam nota baixa nas avaliações como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e Conceito Preliminar de Curso (CPC), que, anteriormente, ficavam suspensos de ofertar vagas nos vestibulares até uma melhoria. Agora, na maioria dos casos, ocorre a descontinuidade. A decisão do governo Caiado de colocar em prática a redução da universidade atende a estudos internos da instituição que se iniciaram em 2008, com a conclusão de que a UEG não suportava mais o seu tamanho, o que teria feito a perda de qualidade da instituição em determinados câmpus ou cursos devido à incapacidade de fazer a gestão dos mesmos.
Para se ter uma ideia, em 2019, a UEG tinha 45 câmpus em 43 cidades diferentes do Estado. Apenas Goiânia e Anápolis possuíam duas unidades diferentes. Atualmente, são 40 câmpus efetivados em 38 cidades, e pelo menos outros 4 devem ser descontinuados nos próximos anos, o que deve ocorrer com a formação dos últimos alunos ainda matriculados nos locais ou há apenas o aguardo da questão burocrática de repasse dos imóveis.
Em Crixás, por exemplo, o prédio da UEG foi repassado para a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e deve dar lugar a um colégio estadual de ensino fundamental e médio, de gestão da Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO). Em Edéia, a estrutura foi repassada em convênio para a prefeitura municipal.
Neste mesmo período de seis anos desde o início do redesenho, de acordo com os dados abertos disponibilizados pela própria UEG, a universidade teve uma redução de 10 mil alunos, embora seja válido lembrar que houve o período de pandemia da Covid-19 a partir de 2020 e 2021. O atual reitor, Antonio Cruvinel Borges Neto, que tomou posse em meados de 2021, relata que, na época, havia 9 mil alunos matriculados nos cursos de graduação na universidade. Atualmente, os dados da instituição apontam 13.098 matriculados, enquanto que em 2019 eram 23.098, gerando a diferença de 10 mil alunos exatamente. "A gente está em um processo de retomada, a prova disso é que o número de inscritos no vestibular dobrou em três anos", diz.
Borges Neto conta que em 2022 foram 7 mil alunos interessados em ingressar na universidade no processo seletivo geral, que abrange todos os cursos, com exceção de Medicina, no câmpus Itumbiara, que possui vestibular separado. No certame para os ingressantes deste ano foram 14 mil inscritos, mesmo com uma oferta de cursos e vagas menor, conforme aponta o reitor. "Isso mostra que os estudantes sabem que a reestruturação era necessária, é um efeito disso. Os cursos que ficaram são reconhecidos como de qualidade, é o que a universidade pode oferecer de melhor", afirma. Ele diz que a UEG possui hoje 37 cursos e 115 ofertas (o número difere já que há cursos ofertados em mais de um câmpus).
Orçamento
Também em 2019, o Estado de Goiás modificou o estatuto da UEG e a forma de repasse da verba à instituição, que deixou de ser carimbada em 2% da receita líquida estadual para uma definição anual, como ocorre com as secretarias, por exemplo. A mudança foi vista como uma perda de garantias e de verbas para a universidade, o que redundaria em sucateamento, mas explicada sob o argumento de que a instituição não conseguia executar a verba destinada. Para o presidente da Associação dos Docentes da UEG (Adueg), professor Marcelo Moreira, isso é mostrado no aumento da evasão dos alunos, que seria o principal problema da instituição atualmente.
"É o maior gargalo, que inclusive se discute no CsU, sobre como manter os alunos na universidade. Não conseguimos dar bolsas, o perfil dos estudantes já mudou também", diz Moreira.
Segundo os dados da UEG, o número de alunos que abandonaram o curso em 2019 (1.416) é muito semelhante ao da quantidade atual (1.436), porém, como há um menor número de matriculados em 2025, a proporção é maior. Enquanto em 2019 cerca de 6% dos matriculados evadiram, neste ano o índice chega a 10%. Em 2024, com o ano já fechado, a evasão chegou a 7%.
Segundo o reitor da UEG, o problema da evasão de fato existe, mas vem sendo discutido e buscadas soluções a partir das bolsas. "A UEG é a universidade do filho do trabalhador goiano. 78% dos nossos alunos são de famílias de até três salários mínimos", afirma. Porém, ele não considera que a mudança no modelo de orçamento seja um problema.
"Em 2021, nós começamos com R$ 302 milhões e chegamos a R$ 321 milhões. Neste ano, começamos com R$ 524 milhões e já temos R$ 532 milhões. E isso é porque nós hoje conseguimos executar até 99% do orçamento. Minha obstinação nunca foi chegar nos 2%, mas saber quanto preciso para fazer tal coisa", diz.
Reformas
Borges Neto relata que, atualmente, 11 unidades estão passando por reforma, visando a qualidade do ensino e a melhoria estrutural para estudantes e servidores. Uma delas é a do Parque Laranjeiras, em Goiânia, cuja obra teve início no mês de fevereiro de 2024, com previsão de término no segundo semestre de 2025.
"As obras incluem modernização das instalações, melhorias em toda a infraestrutura elétrica, reparos na cobertura, adequação de pisos, reforma do ginásio, construção de laboratórios e de banheiros e pintura geral. O projeto ainda vai garantir a acessibilidade em todos os ambientes da unidade", informa a UEG. A reforma está orçada em R$ 3,8 milhões e já foram executados cerca de 55% dos trabalhos.
Reitor garante que processo é interno
O reitor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Antonio Cruvinel Borges Neto afirma que toda a política de redesenho da instituição tem sido realizada intramuros, ou seja, com a participação do Conselho Superior Universitário (CsU) e da reitoria, sem qualquer ingerência do governo estadual. Em 2019, o relatório que provocou o redesenho foi feito quando a universidade passou por uma intervenção estadual. O reitor havia sido nomeado por decreto. O ato durou até março de 2021, quando o processo eleitoral foi realizado, com a eleição de Borges Neto. "O governador nunca me ligou para questionar qualquer decisão da UEG, mesmo sendo decisões que podem afetar politicamente, afinal, é a saída de uma universidade de um município, que é uma base eleitoral", conta.
Borges Neto ressalta que o redesenho iniciado em 2019 só estabeleceu o que vários relatórios anteriores haviam feito, que era demonstrar a incapacidade da UEG em se manter do tamanho que estava. "Em 2008, em uma tarde, mais de 50 cursos foram criados na UEG. Em 2009 já havia relatório técnico explicando que não era possível manter essa quantidade de ofertas, o mesmo foi feito em 2010, em 2013 se inicia um redesenho, em 2015 não teve um consenso, em 2018 um outro redesenho que foi rejeitado pelo conselho. Até 2022, foram 15 anos de discussão em que sempre apontou essa expansão desordenada. Quando assumi, já estava posto esse redesenho e extinguimos 42 ofertas, com vistas à qualidade."
À época, O POPULAR apurou que o maior problema da expansão era que ela ocorreu sem planejamento e, na maior parte das vezes, para atender demandas políticas de grupos nos municípios, que buscavam uma plataforma de governo com a abertura de novos cursos ou novos câmpus da UEG. O argumento dos gestores da época era que a expansão favorecia e incentivava moradores do interior goiano a entrarem para o ensino superior e qualificar a mão de obra local, com cursos de licenciatura, para a formação de professores, e de áreas análogas à economia da região, como de técnicos agrícola ou sucroalcooleiro.
A baixa procura por cursos de licenciatura, o que ocorre em todas as instituições de ensino superior, também fez com que a expansão passasse a não ser eficaz. "A UEG é uma universidade caracterizada pela formação de professores, porém a procura é baixa. Isso ocorre também nas universidades particulares e nas federais, em Goiás e nos outros estados. É uma coisa geral, pela desvalorização do professor, por muitos fatores", diz o reitor. Dos 48 cursos descontinuados desde 2019, 15 são de licenciatura ou Pedagogia. Outros 19 são de cursos técnicos, voltados para a formação de mão de obra local, e 14 são de bacharelado.
Associação questiona extinções
Presidente da Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Goiás (UEG), o professor Marcelo Moreira, da área de Economia, afirma que a reestruturação que a instituição de ensino superior passa desde 2019 não é feita de maneira planejada. Segundo ele, a descontinuidade dos cursos não é transparente e nem é discutida dentro do Conselho Superior Universitário (CsU), sendo muito mais a partir de decisões da reitoria e que a comunidade só fica sabendo a partir da falta de ofertas de vagas nos vestibulares. "Perdemos muitos alunos em regiões que precisam, como no Norte e Nordeste do Estado. É um momento de muita preocupação dos professores, que já dura muitos anos", diz.
Um dos principais problemas apontados é que, com a redução, muitos servidores, tanto professores como técnicos, tiveram que migrar e dar aulas em até mais de uma cidade. "Tem professores dando aulas em duas ou três unidades, rodando até 300 quilômetros nessas estradas de Goiás e sem nenhum aporte da universidade, tirando do próprio bolso mesmo", conta.
Ele explica que, mesmo a universidade estando menor de uma maneira geral, novos cursos estão sendo abertos e a quantidade de docentes permanece em cerca de 1 mil. Em 2019, uma decisão judicial após ação do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), obrigou a UEG a desfazer contratos temporários vencidos e abrir concursos.
Desde então, foram 13 certames realizados e o último destes teve a nomeação assinada nesta sexta-feira (7) pelo governador Ronaldo Caiado, dando posse a 71 novos professores da UEG, que vão atuar distribuídos em 19 campi. Moreira relata que, ainda assim, a carga horária tem sido extenuante, já que, além do ensino, há ações de extensão, pesquisa e ainda de gestão das unidades. "Para os professores, além de ter de sair da cidade, os cursos vão fechando e os servidores são incorporados em cursos análogos, mas isso vai desmotivando, não é a graduação que a pessoa queria, na cidade que já estava."
O reitor da UEG, Antonio Cruvinel Borges Neto, explica que a instituição tem tentado alocar os professores em cidades que eles querem, a partir de processos seletivos internos antes dos concursos.
