Gestão de Rogério Cruz (SD) formou uma comissão temporária para conduzir processo de licitação; prefeito eleito, Sandro Mabel (UB) diz que ainda analisará tema
A Prefeitura de Goiânia avançou mais um passo no processo para implantar a loteria municipal. A Secretaria de Finanças (Sefin) publicou uma portaria para formar comissão temporária que conduzirá os procedimentos para licitação que selecionará empresa responsável pela atividade.
A portaria, publicada no Diário Oficial do Município do dia 28 de outubro, informa que o objetivo é contratar "serviços especializados, continuados e integrados de disponibilização de plataforma de gestão e controle de atividades lotéricas, fornecimento de jogos lotéricos e meios de pagamento, incluindo manutenção, customização e atualizações". A comissão é formada por servidores da Sefin e da Secretaria de Administração.
O projeto de lei para instituir a loteria municipal foi apresentado na Câmara pelo vereador Léo José (SD) e aprovado em setembro de 2023. O prefeito Rogério Cruz (SD) vetou parcialmente a matéria, mas o dispositivo foi derrubado pela Casa. Na época, foi apontado que uma lei deste tipo seria de iniciativa exclusiva do Executivo, por ser um ato de gestão. O decreto que regulamentou a norma foi publicado pela Prefeitura no início de dezembro de 2023.
Entre as modalidades que poderão ser exploradas na loteria municipal está a prognóstico esportivo de quota fixa, um dos tipos mais conhecidos de "bet esportiva". Esta categoria consiste, conforme o decreto, em um sistema de apostas relacionado a eventos esportivos reais, em que é definido, no momento de efetivação, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto. Também há possibilidade de tentar prever o resultado de eventos esportivos sem a quota fixa.
A lista tem outras modalidades, como em que o apostador compra bilhete já numerado (físico ou virtual); a tentativa de prever quais serão os números sorteados em um concurso; e a categoria de resultado instantâneo, em que se apresenta, de imediato, se o apostador foi ou não contemplado com alguma premiação.
Nova gestão
O prefeito eleito, Sandro Mabel (UB), afirmou que não conhece os termos da lei aprovada em Goiânia e ainda analisará o tema. A transição entre os governos de Cruz e Mabel começou oficialmente no início da semana passada, em reunião entre o prefeito eleito, o atual gestor e suas equipes.
Mabel adiantou que é "contra jogos", especialmente as "bets". O futuro gestor disse que a atividade "está tirando dinheiro" das pessoas e "diminuindo a atividade comercial". Em tom de indignação, Mabel também fez referência ao uso de dinheiro do Bolsa Família (programa federal de ajuda financeira a pessoas de baixa renda) neste tipo de aposta.
Em setembro, o Banco Central divulgou estudo sobre o mercado de jogos de azar e apostas no Brasil. O documento apontou que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família usaram R$ 3 milhões em apostas virtuais apenas no mês de agosto de 2024.
Recursos
Embora tenha tentado vetar parte da lei, a criação da loteria foi vista com bons olhos pela gestão de Cruz, diante da oportunidade de ampliar a arrecadação. A lei determina que o recurso será aplicado ao financiamento de áreas como previdência, saúde, educação, esporte, turismo, transporte público e segurança pública. No decreto, a Prefeitura delimitou o uso da verba ao financiamento de previdência, transporte público e áreas sociais, com alíquotas a serem definidas por um comitê gestor. Ainda não há estimativa pública do quanto a Prefeitura pode arrecadar com a medida.
Titular da Sefin quando a lei foi aprovada e regulamentada, Vinícius Alves argumentou, na época, que o recurso seria direcionado para áreas consideradas gargalos na gestão. Na ocasião, Alves apontou que a Prefeitura pagava cerca de R$ 150 milhões por ano de subsídio do transporte coletivo e fazia aporte de cerca de R$ 20 milhões por mês para a previdência. O POPULAR mostrou que o transporte coletivo deve pesar ainda mais no caixa da administração da capital a partir de maio de 2025.
O ofício anexo ao decreto que regulamentou a loteria, e com as justificativas para a publicação do documento, foi assinado pelo secretário de Governo, Jovair Arantes, o procurador-geral do Município, José Carlos Issy, e por Alves, e encaminhado a Cruz. As pastas fizeram parte de um grupo de trabalho criado após a aprovação da lei para definir o modelo que seria adotado na operação da loteria goianiense.
Arantes é tio de Léo José, autor do projeto de lei. O secretário de Governo é ex-deputado federal e já foi citado entre contatos frequentes do contraventor Carlos Augusto Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira (envolvido em fraudes em loterias que se tornaram escândalo de alcance nacional, no início dos anos 2000).
No ofício direcionado a Cruz, os auxiliares destacam que o decreto estabelece "bases sólidas" para a exploração da loteria municipal, "promovendo transparência, eficiência e responsabilidade na gestão dessas atividades, o que contribuirá significativamente para o desenvolvimento socioeconômico" da capital.
Argumento
Os secretários também apontaram que o decreto estabelece restrições à participação de menores, responsabilidades aos operadores lotéricos, prevê prestação de contas ao Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) e necessidade de observar a legislação de responsabilidade fiscal. "Autoriza, ainda, o comitê gestor a cooperar administrativamente com outros entes da federação e a promover o jogo responsável", diz o texto.
Como fundamentação legal foi apontada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu que a União não detém exclusividade na exploração de loterias. O POPULAR mostrou que existe divergência jurídica sobre a participação de municípios na atividade, mas o Paço tem demonstrado tranquilidade quanto ao tema. Outras capitais também sancionaram projetos de lei semelhantes, como Belo Horizonte e São Paulo.
Issy confirmou que está em andamento um processo para que o edital de Goiânia seja lançado. O titular da PGM disse que a expectativa é que a concessão do serviço seja parcial, mas os detalhes estão sob responsabilidade de outras pastas. A reportagem entrou em contato com Arantes e com a assessoria da Prefeitura, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.