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Listas de metas para o ano-novo podem se tornar gatilhos para transtornos mentais

Reprodução Instagram
Kell Delefrate: "Esse tipo de checklist ajuda a estabelecer outras metas, nos dá direcionamentos para o ano, na organização e otimização do tempo"

Kell Delefrate é personal trainer e instrutora de pilates. Na última semana, publicou em suas redes sociais um post intitulado “Checklist 2023”, compartilhando a lista de metas e resoluções para o novo ano que acabou de começar.

O público-alvo do post eram seus seguidores/alunos, mas engana-se quem acha que a lista da educadora física contém frases motivacionais no estilo “treine enquanto eles dormem”. Acordar de bom humor, beber água antes de dormir e ao acordar, se cobrar menos e passear estão entre as resoluções dela.

À primeira vista, as metas de Kell parecem simples, mas serão fundamentais para que ela crie uma constância na hora de alcançar outros objetivos lá na frente. “Essa foi a minha primeira lista do que quero realizar como prioridade para este ano. Não adianta fazer metas inalcançáveis. Você desanima rápido, desiste e acaba não fazendo nada”, comenta.

Ter um tempo consigo mesma e agradecer as conquistas também são listadas por ela. “Esse tipo de checklist ajuda a estabelecer outras metas, nos dá direcionamentos para o ano, na organização e otimização do tempo”, comenta.

Ela, que sempre foi adepta da lista de resoluções e objetivos, encontrou mais uma vantagem em realizá-las: incentivar outras pessoas. “Desde que comecei a compartilhar, vi que proporcionava uma motivação também nos meus alunos. Muitos deles desanimavam muito rápido de chegar aos objetivos deles com as práticas de exercícios”, explica.

A partir de metas mais simples, a lista pode ir “amadurecendo” ao longo do tempo com novos objetivos. “Eu gosto de fazer metas diárias. Durante a semana, vou acrescentando novos tópicos, fazendo também as metas por semana e por mês à medida que vou conseguindo realizar as anteriores. Isso motiva muito”, diz.

“Todos nós gostamos de recomeços. É como se pudéssemos virar a página e ter uma nova chance de começar do zero, e nada melhor do que um novo ano para tornar isso possível”, comenta a médica psiquiatra Michele Maciel sobre a tradição de se fazer a lista de resoluções para o ano que está começando. “Metas são benéficas? Com toda certeza. O segredo está no equilíbrio”, assegura.

Ela cita, no entanto, um estudo da Universidade de Scranton, na Pensilvânia, que aponta que apenas 8% das pessoas que fizeram uma resolução de ano-novo conseguiram cumprir seus objetivos. “Dois terços abandonam suas metas nos dois primeiros meses”, destaca.

Esse comportamento parece familiar? Imagine, ainda, o seguinte cenário: ao fazer um balanço das resoluções do ano anterior, não é raro que as mesmas metas que não foram conquistadas no último ano se tornem novamente as metas do próximo ano.

E mesmo que a lista de resoluções seja inteiramente nova, esse ciclo pode se tornar exaustivo e motivo de piora de quadros de ansiedade, estresse e, quando ligadas ao trabalho, para o burnout.

“Ao contrário das listas de tarefas da semana, que vamos riscando ao longo dos dias, a maior parte das resoluções de ano-novo tratam de mudança de hábitos. E se mudar um único hábito cria um grande esforço, já que são necessários de dois a três meses para que nosso cérebro se adapte a ele, é fácil imaginar porque a grande maioria abandona suas resoluções logo no início do ano”, comenta a profissional.

Em vez de serem um incentivo para que mudanças sejam feitas e conquistas realizadas, a lista de metas pode se tornar um motivo de frustração. “Refletir sobre o ano que passou e escrever sobre o que pretende melhorar pode ser uma ótima fonte de autoconhecimento e de propósito. Porém, quando se torna uma disputa ou uma fonte de cobranças e culpa, podem se tornar uma fonte de estresse, ansiedade e frustração”, aponta a psiquiatra.

“A frustração ocorre quando se cria uma ilusão de que tudo vai mudar quando um novo ano se inicia como num passe de mágica, e não como um símbolo de uma nova chance de fazer as coisas de uma forma diferente. A auto cobrança excessiva e a culpa também estão ligadas à maior parte disso”, diz.

“Essa frustração acontece principalmente por conta da idealização. Traçamos metas de uma forma não real, não considerando processos de mudança na vida que não estão no nosso controle e que, muitas vezes, precisamos utilizar do improviso para traçar novas rotas e retomar o caminho”, comenta a psicóloga Adriane Garcia.

O período de fim de ano é repleto de rituais que marcam que aquele período se findou e um outro está começando, como as festividades em que reencontros acontecem. “E se trata, na verdade, apenas de sequências de dias. Mas esses rituais trazem à tona reflexões sobre o que foi e o que não foi realizado, sobre o processo de vida, as frustrações e, por isso, vemos surgir tantos processos de ansiedade e estresse nesse período”, explica.

E como, então, traçar essas metas e fazer as próprias listas sem que se torne uma espécie de gatilho para transtornos mentais e desgastes emocionais? “Algo que pode ser indicado para todas as pessoas é trabalhar o processo de metas. Às vezes, o problema é o olhar a longo prazo, mas não estabelecer micrometas, ou seja, aquilo que eu tenho de fazer para alcançar aquela meta”, diz a psicóloga.

“A maior parte de nós vive a perspectiva e a expectativa de termos algo lá na frente. Mas temos muito pouco processo de planejamento micro, que é aquele planejamento do dia a dia para chegar lá”, comenta.

Ela aponta que é, sim, indicado traçar metas para todas as pessoas, desde que esse exercício compreenda as mudanças do dia a dia. “E isso é o mais complicado de tudo isso, né? Então, é importante que as pessoas fiquem atentas a esse processo e se ela está afetada emocionalmente. É fundamental que ela primeiro se cuide para depois traçar essas metas de uma forma mais saudável”, aponta.

 

Checklist das resoluções

A lista de metas de ano-novo é uma tradição comum a muitas pessoas, e traçá-las pode ser algo benéfico, desde que feito com equilíbrio. A médica psiquiatra Michele Maciel traz algumas dicas de como planejar essas resoluções de forma saudável:


1.  Escolha um só projeto para o novo ano.   

A construção de um novo hábito demora de 2 a 3 meses e exige esforço, demanda e muita força de vontade. Focar em apenas uma mudança torna a chance de não abandoná- la após algumas semanas bem maior. 


2. Dê um passo de cada vez. 

Seja realista e específico em seu novo projeto. Em vez de “praticarei mais exercícios físicos em 2023,” especifique os dias e horários e comece devagar. Se estava sedentário há um ano, não coloque como meta correr a São Silvestre no fim do ano e, sim, se exercitar 20 minutos às segundas, quartas e sextas, por exemplo. Citando a médica Jennifer Ashton, autora do livro The Self Care Solution, "uma meta razoável tem de ser específica, alcançável e com prazo determinado”.


3. Anote o motivo.

Anote em um caderno, junto ao seu projeto, o motivo pelo qual o escolheu. Isso ajuda nos dias de baixa motivação. Aliás, não dependa de sua força de vontade. Foque no objetivo, e não na motivação. Eles variam muito e, principalmente no início de uma mudança de hábito, seu cérebro tentará a todo custo o autoboicote. Mudança gera esforço e nosso cérebro tende a querer guardar energia e, por isso, você irá atuar contra a maré até que o hábito se desenvolva e novas conexões neuronais se formem. Quando isso acontece, o hábito é finalmente incorporado à rotina e então tudo se torna mais fácil. 


4. Não se cobre tanto.

Pense no novo projeto como uma fonte de propósito para o novo ano, e não com cobrança e culpa. E esteja disposto a recomeçar, porque falhas e recaídas são uma parte do caminho. 

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