Nero Martins da Costa levantava fiação para passagem de trio elétrico quando foi eletrocutado e morreu. Motorista diz que havia outro funcionário designado para função
O registro da ocorrência sobre o acidente envolvendo o prestador de serviço Nero Martins da Costa, de 65 anos, mostra que o caminhão utilizado para o trio elétrico do Blokinho Aê "apresentava altura incompatível com a via". Ele morreu eletrocutado enquanto tentava afastar a fiação para a passagem do trio na Avenida Mutirão, em Goiânia. Durante o atendimento do caso, o motorista do veículo chegou a informar à Polícia Militar que havia um funcionário designado para a função, mas que Nero estava realizando a tarefa "apenas com uma luva de couro como proteção".
As informações constam no Registro de Atendimento Integrado (RAI) da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Goiás (SSP-GO). Conforme o documento, o acidente teria ocorrido às 20h04 de sábado (22) na Avenida Mutirão, nas proximidades da esquina com a Rua T-55, no Setor Bueno. Policiais militares estiveram no local e, conforme o relato da corporação, o homem "tentou erguer a fiação com as mãos e sofreu uma descarga elétrica". Ele estava em cima de um caminhão Volvo FH 460 6X2T, no momento em que ocorria o show de Durval Lélys. O cantor encerrou a apresentação logo em seguida.
No documento, é citado ainda que a "fatalidade ocorreu devido ao contato direto da vítima com a rede elétrica enquanto tentava erguer a fiação, possivelmente sem os equipamentos adequados de segurança". Equipes de emergência de empresa contratada pela organização realizaram manobras de reanimação ainda no local. Vídeos mostram a tentativa feita ainda em cima do caminhão. Depois, já no chão. Nero foi encaminhado ao Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) por uma ambulância particular. Na unidade de saúde, o óbito foi constatado.
O condutor do veículo foi levado à Central de Flagrantes da Polícia Civil, mas não há informações sobre o que o mesmo alegou no local. A reportagem tentou contato com o delegado responsável pelo caso, mas não obteve retorno. A assessoria de imprensa da corporação disse que ele não se manifestaria sobre o caso no momento. O caso segue sendo investigado e o laudo de exame cadavérico da vítima foi realizado no Instituto Médico Legal (IML), constatando a morte por choque elétrico. A Polícia Técnico-Científica explicou que não foi solicitada perícia no local do acidente. No relato da Polícia Civil que consta no RAI é apontado que foi instaurada investigação para "apuração de eventual prática de homicídio culposo".
Um vídeo obtido com exclusividade pela reportagem mostra o homem em cima do trio elétrico levantando a fiação, que por vezes chega a ficar próxima do teto do veículo adaptado. A filmagem foi feita na Avenida T-9, logo na saída do bloco, que se concentrou na praça do ginásio do Jardim América. Outro vídeo também mostra Nero em outra função, dessa vez já no chão, auxiliando a passagem do trio pelas vias. Em imagem que consta no RAI, é possível ver que o veículo estava longe da fiação elétrica, mas próximo aos fios de telecomunicação.
Em nota, a Coyote Produções, responsável pelo trio elétrico, lamenta o falecimento de Nero e pontua que atua há mais de 20 anos no ramo. "Nero prestava serviços recorrentes à empresa como serralheiro e soldador. Neste evento específico, foi contratado exclusivamente para auxiliar na montagem do trio elétrico e, após a conclusão desse serviço, para apoiar o motorista nas manobras do veículo."
"De acordo com o relato do motorista do trio, Nero subiu ao veículo espontaneamente, sem que essa ação fizesse parte de suas atribuições. Estamos colaborando com as investigações para esclarecer todas as circunstâncias do ocorrido", acrescenta.
A organização do Blokinho Aê também destaca que "todas as exigências legais foram devidamente cumpridas, incluindo documentação, alvarás e a realização de um percurso técnico prévio, garantindo conformidade com as normas estabelecidas pelas autoridades competentes". A reportagem questionou à Prefeitura de Goiânia se todos os documentos necessários para a realização foram apresentados, mas não obteve resposta. A administração aponta apenas que "todos os blocos receberam orientações de segurança e aguarda a conclusão da apuração dos órgãos responsáveis."
A Equatorial Goiás diz, em nota, que Nero estaria levantando cabos de telefonia e "levantou além do necessário", atingindo fios de baixa tensão. "Qualquer intervenção na rede elétrica deve ser realizada exclusivamente pela concessionária ou por profissionais previamente autorizados, seguindo todas as normas de segurança estabelecidas", pontua. A concessionária alega ainda que esteve no local e foi verificado que a fiação estava na altura padrão exigida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A reportagem não conseguiu confirmar o trajeto exato que o trio fazia na data. A Secretaria de Estado da Retomada aponta que o bloco não estava previsto para chegar à Avenida 85, no trecho entre as avenidas T-11 e T-63, onde foi realizado o Circuito Folia Goiás 2025. Anteriormente, contudo, a reportagem havia mostrado que havia a previsão de que o Blokinho Aê se juntasse aos demais realizados durante o pré-carnaval, já na via. Em entrevista à CBN Goiânia, o titular da secretaria, César Moura, explicou que o bloco tinha a permissão para descer a avenida, mas que não havia programação para a chegada do mesmo ao evento.
A reportagem também mostrou na edição desta segunda-feira (24) que o Desfile Blokinho Aê 2025 teve o projeto inscrito no Programa Goyazes desclassificado pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) por não ter apresentado plano de segurança para eventos de grande porte. Parecer do CEC do dia 31 de janeiro aponta que a empresa Have Fun Entretenimento Ltda havia solicitado R$ 300 mil por meio do programa estadual de incentivo à cultura, o que foi negado pela ausência do plano de segurança e outro ponto referente à gratuidade do ingresso.
Despedida
O corpo de Nero foi velado e enterrado nesta segunda-feira (24), no Cemitério Campo da Esperança, em Taguatinga (DF). O portal g1 do Distrito Federal registrou que ele residia na região administrativa e era técnico na empresa de trio elétrico. Ele deixa esposa e seis filhos. Nesta segunda, a reportagem também mostrou que a sobrinha da vítima definia o tio como "responsável" e "meticuloso" com o trabalho. "É difícil ver as pessoas colocando-o como irresponsável, como se ele estivesse fazendo aquilo de qualquer jeito, ou como se ele não tivesse noção do que estava fazendo. A gente está sofrendo muito. É inenarrável a dor da gente", disse.
Fiação atrapalhou bloco de rua no ano passado
No pré-carnaval de Goiânia no ano passado, outro bloco de rua também encontrou dificuldade para transitar pelas ruas da capital e não conseguiu finalizar o percurso. O motivo: árvores, fiação baixa e semáforos nos quais o veículo encostava. A reportagem mostrou à época, no início de fevereiro, que as intercorrências impediram que o grupo completasse a rota até a Avenida Mutirão por questões de segurança. Por isso, o público esperou em vão o show de Ara Ketu na avenida, durante a Liga dos Blocos.
Na ocasião, Thiago Carrijo, sócio do Blokinho Uai, explicou que o grupo se apresentou por alguns minutos no Setor Marista, onde ocorreu a concentração. Em seguida, o trio seguiria à Mutirão para o encontro com outros integrantes da Liga de Blocos. "Logo na saída, encontramos muita dificuldade em relação às árvores nas ruas, que precisariam ser podadas. Nosso trio ficou parado por alguns minutos por conta disso", disse.
Após resolver o problema com as questões, o trio começou a ter problemas com fiações baixas e com semáforos na Avenida 136. "Mesmo assim, conseguimos contornar e seguir com o trajeto até a Avenida 85", contou. Já na via, contudo, mais desafios. "O trio começou a encostar em fios de alta tensão e nos semáforos da via", elencou.
Além dos desafios físicos, a organização preferiu não completar a rota do bloco diante de novas dificuldades para passar pelo Carnaval dos Amigos, cuja organização é distinta da Liga dos Blocos. "Diante disso, prezando pela integridade física e segurança de todos os presentes, conversamos com a Polícia Militar e com a Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) --renomeada como Secretaria de Engenharia de Trânsito (SET) -- e decidimos permanecer na Avenida 85", complementou.