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Facção pode ter financiado fuga de presos em Trindade

Reprodução/TV Anhanguera
Detentos fugiram do presídio de Trindade por buraco aberto no telhado

A Polícia Civil apura a possibilidade de a fuga de 14 presos de presídio de Trindade, na madrugada do dia 15 de outubro, ter sido financiada pelo Comando Vermelho. Informações levantadas durante a investigação apontam que um policial penal teria negociado com dois faccionados que estão entre os foragidos para que oito deles escapassem do presídio. Os outros seis teriam aproveitado a oportunidade. O policial penal Redton Kennedy de Lima e o vigilante temporário Matheus Marques da Silva estão presos por suspeita de facilitação da fuga.

Para conseguirem escapar, os presos contaram com o fechamento incorreto da porta que dá acesso à cela, o que aparentemente teria sido proposital. É investigado se o portão principal do presídio para a área externa estava ou não entreaberto no momento da fuga, visto que foi encontrado assim quando a equipe do plantão de domingo chegou às 8 horas da manhã e que não havia sinais de que os presos pularam o muro ou a cerca para fugirem.

Os depoimentos não deixam claro que foi pago R$ 10 mil para cada um dos oito nomes que estaria na suposta lista do Comando Vermelho ou se seria por todos que fugiram. Dois detentos que estão ainda foragidos foram apontados como os responsáveis pela negociação com um dos servidores presos. Estes dois – um deles respondendo por tráfico e o outro por roubo - tentariam escapar para o Rio de Janeiro. Um dos depoentes contou que o pagamento seria feito via Pix.

Um dos fugitivos foi recapturado menos de cinco horas após a fuga, ao passar próximo a um batalhão da PM e demonstrar nervosismo na frente dos policiais militares. Ele estava sem camisa e com a bermuda usada pelos detentos, tentou negar ser um reeducando, mas acabou confessando e apresentou uma versão apontando os agentes como suspeitos de facilitar a fuga. Esse foragido conta que não estava na lista do Comando Vermelho e que aproveitou a chance para escapar.

Este preso foi detido por volta das 7h15, mas a PM só conseguiu alertar a equipe da cadeia depois das 8 horas, pois ninguém atendia o telefone. Quando o alerta foi dado, uma nova equipe já estava no plantão. Em depoimento, todos os agentes que estavam de madrugada contam que não desconfiaram de nada durante a madrugada e que só souberam do fato pelo grupo de whatsapp do presídio já após a notificação da PM.

Nesta quarta-feira (25), o delegado Rafael Borges de Macedo, da 1ª Delegacia de Trindade, entrou com um pedido de mais 60 dias para concluir as investigações, alegando necessidade de quebra de sigilos telefônicos, fiscais e bancários dos dois agentes de segurança presos. Com isso, a tendência é que o policial e o vigilante consigam o relaxamento da prisão preventiva ou a imposição de medidas cautelares como uso de tornozeleira.

Até o momento, foram ouvidos detentos que foram recapturados, outros que estavam em celas próximas e presenciaram a fuga, agentes que estavam no plantão no dia, os dois suspeitos e policiais militares envolvidos na primeira recaptura, ainda antes de a fuga ter sido descoberta pelo sistema prisional. Os depoimentos são conflitantes sobre o papel dos servidores detidos, mas coincidem em citar como suspeitos apenas os dois e não outros funcionários.

As falas dos presos que aparecem no resumo apresentado pela Polícia Civil à Justiça para pedir a dilação de prazo são conflitantes sobre o papel de Redton e de Matheus. Pelos depoimentos, não fica claro quem trancou a porta da cela de forma equivocada nem quem estava na guarita e deveria ter visto os presos subindo pelo telhado e depois pulando o muro. Em suas oitivas, Redton e Matheus trocam acusações e negam envolvimento.

Não há indicação até o momento de envolvimento de outros servidores, apesar de os presos – inclusive os dois servidores - sugerirem que isso possa ter ocorrido. A Diretoria Geral da Administração Prisional (DGAP) afirma que foi aberto um procedimento administrativo disciplinar (PAD) para “apurar a conduta dos demais servidores que estavam de plantão na unidade no dia da fuga”. A DGAP também informa que Redton foi afastado de suas funções e Matheus teve o seu contrato findado no dia de sua prisão.

No momento da fuga, o presídio contava com nove agentes prisionais e 277 detentos. Na cela em que houve o fato, tinha 30 custodiados, sendo que primeiro fugiu um grupo de 10 e depois outro de quatro, provavelmente entre duas e três da manhã. Outros 16 presos decidiram permanecer na cela, mesmo com a porta aberta.

Até o momento, quatro detentos foram recapturados e um foi morto durante abordagem policial. Segundo a PM, Michel Oliveira da Costa, que respondia por homicídio, reagiu atirando contra a equipe que o abordou. Entre os que voltaram para a cadeia, nenhum estaria na lista citada como dos que o Comando Vermelho queria soltar.

Nos depoimentos, os agentes contam que não ouviram nenhum barulho, mas os presos ouvidos pela polícia contestam a informação e dizem que, para evitar que os colegas fugitivos fossem flagrados, eles passavam garrafas de plástico nas grades para que o som encobrisse o das telhas quebrando ou dos foragidos subindo pelo telhado.

Os presos dizem que a negociação teria sido feita com Redton, mas que Matheus teria colaborado no dia da fuga. Um destes detentos conta que as conversas para acertar o pagamento e os detalhes se davam quando o agente tinha de fazer a escolta de um dos dois custodiados apontados como mentores da fuga. Há divergências sobre como se daria este pagamento, se antes ou depois da fuga, e por qual parente de um destes dois foragidos.

A reportagem não conseguiu localizar o delegado para falar sobre as investigações. A DGAP afirma que depois da fuga, além do PAD aberto, foi feita a transferência dos presos envolvidos nas “situações de sublevação da ordem e da disciplina na unidade” e a ampliação do rigor nos procedimentos operacionais e apoio de policiais penais do Grupo de Operações Penitenciárias Especiais (Gope).

A Justiça encaminhou o pedido do delegado para análise do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), pois caso o prazo seja prorrogado a prisão deve ser relaxada. Como a investigação teve início após a prisão dos agentes de segurança, a Polícia Civil tinha 10 dias para apresentar um relatório inicial indicando se procede ou não as suspeitas contra os dois.

O advogado Marcelino Galindo, que defende Matheus, diz que há um pedido de soltura para ser analisado em segunda instância e que seu cliente já abriu seu sigilo bancário apresentando todos os extratos ao delegado, além de ter autorizado a abertura do telefônico. A defesa afirma que o vigilante mantém sua versão sobre o caso, negando envolvimento com a fuga e as acusações feitas pelos presos e por Redton. “O delegado não encontrou nada que ligue o Matheus à fuga dos detentos, por isso acredito que em breve o mesmo vai ter a sua liberdade restituída.”

Ao explicar a dificuldade nas investigações, o delegado informa que o presídio não tem câmeras de segurança, então não há nenhum registro da movimentação dos presos e dos agentes nas horas que antecederam a fuga. A DGAP argumenta que trabalha para concluir processo licitatório para aquisição de câmeras para todas as unidades prisionais até o final de 2024. “A instituição, inclusive, está celebrando um termo de cooperação com o Tribunal de Justiça, que custeará parte da aquisição dos materiais.”

Fugas

Não é a primeira fuga que ocorre na cadeia de Trindade nos últimos anos. No dia 29 de janeiro, dois presos conseguiram escapar do presídio e foram mortos em uma ação policial dias depois, na região de Posse, no nordeste goiano. Eles se preparavam para serem resgatados e levados para a Bahia. Em 12 de julho de 2018, 19 presos escaparam após a explosão de um muro.

Houve também tentativas. Em setembro de 2021, os agentes prisionais conseguiram impedir a fuga de 20 presos que escavaram um buraco embaixo de uma cama em uma das celas. No dia 12 de outubro agora, três dias antes da fuga mais recente, custodiados tentaram abrir um buraco na parede de uma cela e foram frustrados.

Neste último caso de tentativa, a DGAP informa que os presos envolvidos foram transferidos para demais unidades prisionais da região metropolitana e foram abertos procedimentos administrativos internos.

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