GABRIELLA BRAGAMesmo após a chuva que caiu no fim de setembro, o Rio Meia Ponte segue em nível crítico. No fim de semana, a vazão diária do manancial utilizado para o abastecimento da capital goiana ficou abaixo do índice registrado nos mesmos dias em 2019, ano em que houve a última estiagem mais intensa vivida em Goiás. De sábado (5) para domingo (6), houve um leve recuo na vazão, passando de 2,2 mil litros por segundo (L/s) para 2 mil L/s.Após a chuva do último fim de semana de setembro, a vazão do rio começou a aumentar gradativamente, mas logo voltou a cair. Para se ter ideia, no último dia 27, quando se registrava 156 dias sem chuva na Bacia do Meia Ponte, a vazão diária estava em 2,2 mil L/s. No dia 29, logo após as chuvas, estava em 2,7 mil L/s. A vazão mais alta desde então foi registrada em 30 de setembro e em 1º de outubro: 3,2 mil L/s.A redução do nível de água do manancial é observada diariamente, especialmente no ponto de captação da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago), no Bairro São Domingos. A companhia aponta que o abastecimento de Goiânia segue “dentro da normalidade”. Entretanto, a situação só é possível por causa da produção de água do Reservatório João Leite, cujo lago forma um dos três sistemas produtores utilizados para o abastecimento público.Na capital, são usados recursos hídricos de dois mananciais: Meia Ponte, com captação superficial, e Mauro Borges/João Leite, com água represada. Conforme a Saneago, o Sistema Meia Ponte é responsável por 36% da produção de água. Já os outros dois sistemas abastecem o restante da cidade (64%). Outros municípios da Região Metropolitana, como Goianira e Trindade, também são abastecidos com recurso deste sistema.Entretanto, como o Rio Meia Ponte atingiu o nível crítico 3 — o penúltimo mais grave — a captação fica limitada para todas as outorgas (cessão de uso da água) no manancial, tais como o abastecimento público. A restrição na captação teve início no dia 5 de setembro, quando foi atingido o nível de criticidade caracterizado por vazão de escoamento menor de 3 mil L/s. O indicador é calculado considerando a média móvel da vazão dos últimos sete dias. Caso esse valor fique abaixo de 2 mil L/s, o nível crítico 4 é atingido e, portanto, novas limitações são impostas, ainda com risco de racionamento de água.Diante do cenário, a Saneago tem feito a captação mínima no Meia Ponte e recorrido à água represada do João Leite. O jornal mostrou no último dia 23 que a produção de água que era de 2 mil L/s caiu para cerca de 1,3 mil L/s. Desta forma, garante a companhia, é mantida a “vazão ecológica do rio em mil litros por segundo, pelo menos”. O abastecimento nas áreas atendidas pelo Meia Ponte é complementado por meio da adutora de transição João Leite-Meia Ponte. Hoje, a adutora tem operado no limite máximo de 800 L/s.Presidente da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (Arca), Gerson Neto explica que a vazão ecológica do Rio Meia Ponte, citada pela Saneago, significa o mínimo de água que deve correr pelo curso hídrico para garantir que os processos biológicos do local sejam preservados. “O rio é movimento. Se isso se interrompe, cria-se um prejuízo biológico para a parte que tirou (a água). Morrem todos os peixes, morrem os invertebrados, morre toda a biodiversidade daquele local”, pontua.Futuro difícil para a vazão dos riosNeto pondera ainda que a estiagem cada vez mais “prolongada e extrema” representa “um futuro difícil para a vazão dos rios”. “Estamos ameaçados de um processo de desertificação para o Cerrado. Por isso, precisamos recuperar as nascentes, as matas ciliares e manter vazão ecológica dos rios para termos resistência e demorarmos mais a sentirmos os piores efeitos. Podemos começar a ver rios (perenes) só correrem no período de chuva. E muitos mananciais aqui em Goiás estão no limite: o Rio Claro, em Jataí, o Rio Bacalhau, em Goiás, o Rio das Pedras, em Quirinópolis”, exemplifica.A recuperação da Bacia do Rio Meia Ponte é enfatizada pelo ambientalista, com o reflorestamento de nascentes e de matas ciliares. Isso porque, para Neto, a capacidade do rio de fornecer água para o abastecimento público “já está no limite”. Ele pontua ainda que tal medida é necessária, visto que “não é fácil buscar água em outro lugar”. “Além de ser caro, os outros (rios) também estão sem água. E, mesmo recuperando, não há garantia de que teremos segurança (hídrica). É preciso que haja um alerta geral sobre o problema hídrico”, complementa.