As pensionistas Simone Pereira de Jesus, de 50 anos, e Denice Maria de Assis, de 83, moradoras de Goiânia, fazem parte de uma legião de pessoas em todo o Brasil que é surpreendida diariamente por descontos, sem autorização, nos proventos do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A falta de hábito de checar o extrato mensal contribui para a ação irregular de diversas entidades que acumulam uma série de demandas judiciais e reclamações em órgãos de defesa do consumidor. Buscar o ressarcimento dos valores descontados é luta quase sempre perdida. Entre julho e agosto, Simone, que recebe pouco mais de um salário mínimo, percebeu que algo estava errado no valor depositado em sua conta pelo INSS. “Eu tenho empréstimo, mas quando verifiquei o extrato estava especificado o que era do empréstimo e o desconto de R$ 42,00 para a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec).” Simone, que trabalha para complementar a renda, disse que nunca se filiou à entidade sediada na capital paulista que afirma, em seu site, possuir 60 mil filiados em todo o Brasil e “que atua para defender os interesses dos beneficiários do INSS”. No caso da dona de casa Denice Maria de Assis, que desde os anos de 1980 recebe pensão pela morte do marido, a entidade que aparece no extrato é a Associação Brasileira dos Servidores Públicos (ABSP), cadastrada junto à Receita Federal desde 2009, e da qual a idosa jamais teve conhecimento. Há quatro meses ela percebeu o desconto de R$ 26,40 em seus proventos. Inicialmente, buscou o banco onde o valor é depositado, mas foi informada de que teria de procurar o INSS. Em contato telefônico, um atendente do órgão explicou que o desconto era “uma mensalidade de sindicato”. "É muito absurdo o que aconteceu. Preciso da ajuda dos meus filhos para lidar com essas questões de banco. Para quem recebe um salário mínimo por mês, esse valor é muito dinheiro e faz falta. Os gastos com remédios são muito altos na minha idade. Tive um prejuízo de mais de R$ 100,00 e quero ser ressarcida dos valores descontados indevidamente”, afirma a dona de casa. O INSS garantiu à Denice de Assis que faria o bloqueio dos descontos, mas para ser ressarcida, ela teria de procurar a entidade responsável. “Desde então tenho tentado falar com a ABSP, mas nenhum dos contatos responde”, conta. A ABSP é presidida por Samuel Ramos Silveira Jr. desde junho do ano passado. Segundo informações da Receita Federal, ele seria sócio em 19 empresas no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, das quais 17 estão ativas. A mais recente delas é a Associação Brasileira de Apoio ao Comércio, aberta em 2018. No site da ABSP há um alerta: “Informamos publicamente para todos os fins legais, que não possuímos qualquer relação jurídica com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), nem com qualquer entidade ou órgão da Administração Pública. Por este motivo, alertamos que não realizamos descontos em folha de pagamento.” Mas não foi o que constatou a idosa de Goiânia. A empresa não apresenta nenhum número de telefone para contato. A Ambec, que vinha descontando da pensão de Simone, está formalmente registrada em nome da auxiliar de dentista Maria Inês Batista de Almeida, segundo investigação feita pelo site Metrópoles. O controle, entretanto, é de José Hermicesar Brilhante Palmeira, um empresário que acumula milhões em contratos públicos e teria virado parceiro do INSS no último governo, através de um ministro ligado ao Centrão. As duas entidades acumulam demandas judiciais pelos descontos nos valores pagos pelo instituto a milhares de aposentados e pensionistas. Respostas padrão mascaram pontuação No site Reclame Aqui, que recebe sem custo reclamações contra empresas e serviços, a Ambec aparece há dois anos com mais de 146 mil visualizações. São mais de 6 mil reclamações pelo mesmo motivo: o desconto no valor do INSS, sem autorização. Apesar desse volume, a pontuação de reputação da entidade é 7, numa escala de 0 a 10, porque há respostas para quase todas as reclamações.As respostas da Ambec, entretanto, seguem padrões como esse, para casos de duplicidade de demanda. “Verifiquei que o Sr(a), abriu uma reclamação anteriormente. Por se tratar do mesmo motivo, daremos continuidade por lá”. A entidade também orienta o consumidor a entrar em contato através dos números 0800 023 1701 ou 4500-4181 (WhatsApp). O Daqui tentou contato, mas ao mencionar do que se tratava, a ligação foi interrompida. A ABPS tem comportamento semelhante no Reclame Aqui, onde há oito anos constam reclamações contra a entidade, com mais de 21 mil visualizações. Pelo mesmo motivo, de responder boa parte dos questionamentos, a entidade possui uma pontuação de 7.5 nos últimos seis meses. Todas as respostas seguem um modelo como esse: “Iniciaremos diligências internas para atender todos os pedidos do Sr.(a) e para conseguirmos lhe ajudar de forma mais breve entraremos em contato via WhatsApp. Por fim, esperamos solucionar a reclamação da melhor forma e permaneceremos à disposição. Atenciosamente, ABSP.”INSS diz que beneficiário precisa autorizar descontoEm nota, o INSS confirmou que mantém acordos de cooperação técnica com entidades de classe para desconto de mensalidade associativa com algumas instituições, desde que autorizado pelos filiados. A medida, conforme o órgão, está prevista no art. 115 da Lei 8213/1991 e art. 154 do Decreto 3048/1999. “Cabe destacar que o desconto não é do INSS, mas sim da associação”, ressalta o INSS. Ou seja, cabe ao beneficiário ficar de olho no extrato do provento para evitar que os descontos sejam feitos sem consentimento. E, caso isso esteja acontecendo, o beneficiário pode pedir o bloqueio junto ao INSS, mas o tempo de resposta pode durar 45 dias. O INSS garante que, pelos acordos de cooperação técnica, as entidades devem apresentar o termo de filiação e o termo de autorização de desconto da mensalidade associativa assinados pelo beneficiário, acompanhados de documentação. Algumas entidades, entretanto, vêm utilizando de artimanhas fraudulentas para fazer o desconto. Para se resguardar, pelo menos três passos a vítima deve cumprir: registrar um boletim de ocorrência; denunciar em órgãos de defesa do consumidor e buscar acesso ao contrato onde sua assinatura foi falsificada. É importante que o beneficiário saiba que o Código de Defesa do Consumidor confere aos aposentados e pensionistas o direito ao ressarcimento em dobro do que foi descontado indevidamente. As reclamações e denúncias, tanto sobre empréstimos consignados, assim como os descontos indevidos devem ser feitas direto no Portal do Consumidor, ou mesmo no SAC do INSS.