Apenas 12% de toda a área do Setor Bueno, bairro da região Sul de Goiânia, é permeável, ou seja, o solo tem a capacidade de absorver água da chuva. No restante do setor, toda a água que cair do céu ou vier de outros bairros vai seguir pelas sarjetas e ruas, aumentando o volume ao longo do trajeto até desaguar em um leito de córrego, possivelmente o Córrego Vaca Brava, que é o principal curso do bairro. Isso faz com que uma grande quantidade de água chegue rapidamente ao manancial e em sua região, aumentando a chance de transbordamento. Além do que, ao longo do caminho, sem ter para onde escoar, a água fica empoçada e gera alagamentos, enchentes e enxurradas.O mapeamento das áreas permeáveis no Setor Bueno é o objeto de estudo da pesquisa “Um geoprocessamento para análise da impermeabilidade urbana”, realizado por pesquisadores do Instituto Federal de Goiás (IFG) e publicado no final de 2023. A metodologia utilizada foi desenvolvida na disciplina de Geoprocessamento, ministrada pela professora e mestre e engenheira civil Estéfane da Silva Lopes, no Curso Técnico em Agrimensura do IFG e consiste em analisar “o conceito da superfície impermeável como indicador de impacto ambiental”. Os pesquisadores usaram imagens de satélite do ano de 2020 para a vetorização da área, foram inseridas camadas poligonais, para demarcar e identificar a cobertura do bairro.A pesquisa calculou que o Setor Bueno perfaz uma área de aproximadamente 3,81 quilômetros quadrados (km²), onde 88% é representado por área impermeável (como ruas, meio-fio, calçadas e telhados) e 12% por área permeáveis (árvores, gramíneas, solo exposto), como é possível verificar em imagens de satélite. Para se ter uma ideia, o Plano Diretor de Goiânia aprovado em 2022 exige um índice paisagístico de 15%, em que 10% deve ser de vegetação permeável e o restante pode ser de outro equipamento, como poços de recarga, por exemplo. Esse valor é obrigatório para construções na capital.Segundo Estéfane, para a pesquisa a equipe buscou um bairro “com maiores contribuições para análise da impermeabilidade e permeabilidade urbana”, de modo que entendeu-se que o Bueno seja o setor com maior número de impactos relacionados a problemática urbana ambiental. Ele é ainda o que tem a maior população estimada, densidade demográfica, lançamentos imobiliários e edifícios verticais construídos até 2024, além de ser o segundo com maior área.De acordo com a última lista divulgada pela Defesa Civil Municipal, o Bueno possui cinco pontos de alagamento. São eles: Avenida T-9, próximo ao Clube Oasis; Avenida T-10, no Parque Vaca Brava; Avenida T-8 com Rua T-27, próximo ao Instituto Ortopédico; Avenida T-8 com Rua T-30, próximo a Praça Gilberto da Veiga; e Avenida T-8 com Avenida T-2. Há ainda outros locais que sofrem com alagamentos que não constam na lista, como no cruzamento das avenidas T-63 com T-4. A lista da Defesa Civil não é atualizada, ao menos publicamente, desde o final de 2021.O papel das áreas verdesEstéfane explica que a perda da vegetação e consequente impermeabilização do solo possibilita a dificuldade de infiltrações no lençol freático. “Provocando fatores que influenciam na problemática urbana ambiental, como alagamentos, enchentes, aumento de ondas de calor, ilhas de calor urbanas.” Ela cita que estudos mostram que áreas com vegetação são cruciais para redução da problemática ambiental, “pois áreas sem arborização apresentaram temperaturas maiores e decréscimo com relação ao teor de umidade relativa, com diferença média de 2,8 °C em relação a temperatura em áreas arborizadas”.“Diante disso, não podemos ignorar que estas áreas verdes são decisivas na manutenção de boas condições de vida da população”, diz. Para Estéfane, a utilização da ferramenta com a qual realizou a pesquisa permite uma análise rápida, confiável e menos onerosa por meio de técnicas especializadas. “As informações sobre as áreas impermeáveis no Setor Bueno podem subsidiar o planejamento da forma e da ocupação do solo, de modo a minimizar impactos ambientais que possam vir a ocorrer”, explica. Permeabilidade próxima a córregos apenas não resolveO conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), arquiteto e urbanista David Finotti, explica que manter área permeável apenas na proximidade de córregos não vai impedir o surgimento de áreas alagáveis ao longo da cidade. Conforme mostra o estudo “Um geoprocessamento para análise da impermeabilidade urbana”, que verificou a permeabilidade do Setor Bueno, a maior área em que é possível absorção de água é no Parque Vaca Brava e ao longo do leito do córrego de mesmo nome. No entanto, Finotti explica que, desta maneira, o volume de água que chega até essa área é muito grande diante de uma forte chuva, dificultando a absorção, além de provocar problemas durante o trajeto. Ele ressalta que o ideal é que a água que cai dentro de um lote deveria ser absorvida ali e é essa a ideia de promover um índice paisagístico no Plano Diretor. Ele ressalta, porém, que não há estudos sobre qual seria o índice ideal, sobretudo para uma escala maior, como bairros ou cidades. “Isso depende da topografia, do tipo de solo. E é um problema quando adotam um índice básico para todo o município, quando próximo aos córregos deveria ser um índice maior”, diz. Sobre o Setor Bueno, ele entende que não é possível indicar se 12% é um valor de permeabilidade bom ou ruim, mas sabe-se que o bairro possui problemas durante as chuvas. “A maior parte da área permeável envolve o Vaca Brava. A água vai toda para lá. A taxa de permeabilidade reduz muito dentro dos lotes”, diz. Ele ressalta que a Prefeitura deveria fiscalizar, após a liberação da obra, se o índice é cumprido, já que boa parte dos moradores acabam modificando a construção. A reportagem questionou a Secretaria Municipal de Planejamento e Habitação (Seplanh), mas não recebeu respostas.