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Warley é o décimo que morre em enxurradas nos últimos 12 anos

Wildes Barbosa
Ponto onde Warley sucumbiu para o Córrego Cascavel, na Avenida C-107, no Jardim América em Goiânia

Assim como a família de Warley de Melo Adorno, de 22 anos, pelo menos outras nove choraram a perda de um membro arrastado por enxurradas nos últimos 12 anos. Nove vítimas foram em Goiânia e uma em Aparecida de Goiânia. Levantamento feito pela reportagem mostram registros quase idênticos desde 2010. Com o caso deste ano, são nove acidentes com dez vítimas ao todo.

Warley foi arrastado pela enxurrada quando tentava seguir pela Avenida C-107, no Jardim América, na capital. Imagens feitas por populares mostram o jovem pouco tempo antes de ser levado pela força da água. Um vídeo feito por populares mostra ele a poucos metros do acesso para uma espécie de bueiro que liga a via ao Córrego Cascavel. Na filmagem ele cai e desaparece. O caso ocorreu nesta segunda-feira (30) (leia mais abaixo).

A secretária Bruna Rodrigues Pereira, de 22 anos, morreu no dia 6 de outubro de 2011, ao ser arrastada pela enxurrada na Avenida Feira de Santana para dentro do Córrego Serrinha, no Parque Amazônia. O corpo de Bruna foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros a 1,5 quilômetro do local, nos fundos de um clube no Parque Amazônia, presa a galhos de árvores, uma hora depois do acidente.

Após o acidente que acabou na morte de Bruna a gestão municipal da época instalou grades na passagem da água entre a via e o córrego.

Em janeiro de 2018 o motociclista Rodrigo Teixeira Chaves, de 42 anos, foi derrubado de sua moto pela enxurrada e arremessado para um bueiro da Avenida 3ª Radial, no Setor Pedro Ludovico, onde foi levado pela força da água. O corpo do motociclista foi encontrado algumas horas depois pelo Corpo de Bombeiros, a 300 metros do local, preso em galhos às margens do Córrego Botafogo.

Marlon Satiro de Aguiar, em outubro de 2016, caiu na canalização do Córrego Botafogo após a motocicleta que pilotava perder o controle na pista durante forte chuva e arremessá-lo para o curso d’água. Três anos antes, o casal Ediarlei Ramos, de 40 anos, e Luz Marina Vargas Bueno, de 35, morreu quando tentava atravessar uma ponte na Rua Viela Nonato Mota, entre os bairros Vila Redenção e Setor Pedro Ludovico, em uma motocicleta (veja detalhes no quadro).

Warley foi localizado nesta terça-feira (31) após uma operação do Corpo de Bombeiros. O corpo dele estava a aproximadamente 4 quilômetros do ponto da queda, na altura da Avenida Padre Wendel, na Vila Abajá.

Um amigo de Warley disse à reportagem que o jovem seguia para uma entrevista de emprego no momento do acidente. Segundo o amigo, Warley estava muito feliz com a nova motocicleta, uma Honda CG 160 Titan, adquirida há pouco tempo. “Ele conseguiu deixar a moto do jeito que ele queria”, diz. 

O rapaz era morador de Aparecida de Goiânia e trabalhava em uma empresa que presta serviços para a Saneago. De férias, Warley estava em busca de um novo emprego. Solteiro, o jovem não deixa filhos, mas namorava e pretendia casar, um dos motivos para estar procurando um novo emprego, conforme informou um primo. Seu corpo começou a ser velado às 22 horas desta terça, no Centro, de Aparecida de Goiânia.

A área entre a C-107 e o Córrego conta com grades de proteção contra o impacto de veículos, o chamado guard rail. A estrutura foi instalada a cerca de dois meses e, segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra), serve para que carros não sejam arrastados para a margem, mas não foi projetada “para contenção de pedestres e motociclistas”. Assim, a pasta diz em nota que o recomendado é que pedestres e motociclistas “evitem transitar em pontos de captação da água da chuva para evitar acidentes”.

Morador de uma casa a cerca de 30 metros do ponto onde o motociclista desapareceu, Marcelo Lopes diz que desde que mudou para o endereço, há 39 anos, observa o local com preocupação. “Colocaram o guard rail há pouco tempo, depois de muita reclamação. Mas o que a vizinhança sempre pediu era algo que protegesse o corpo humano, uma grade mais fina que pudesse segurar”, avalia o morador que diz estar com o coração doendo após a morte de Warley.

Na esquina da C-107 com a Rua C-190, ponto quase exato onde o motociclista perdeu o equilíbrio, fica a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Trabalhando no local há 10 anos, Nilton Cezar Salgado, agente da Polícia Civil, diz que o acidente foi uma tragédia anunciada. “Todos os anos quando ocorre um volume maior de chuva, algum transtorno acontece”, diz ao lembrar que é comum ver carros terem problemas mecânicos quando tentam passar e enfrentam o excesso de água na pista.

A situação do local, segundo Nilton, ficou ainda mais perigosa após intervenção de trânsito realizada no ano passado. A Rua C-190, que faz esquina com a C-107, foi transformada em mão única, sendo proibido o acesso de motoristas da C-107 para a C-190. “Quando era via de mão dupla funcionava como rota de fuga durante os alagamentos”, explica o agente ao detalhar que era comum ver motoristas optando por pegar a C-190 para não enfrentar a força da água.

Outro problema, conforme avalia Nilton, foi a retirada das placas que alertavam para possível alagamento no local, ação que teria sido tomada também no ano passado. “Então não existe nenhum alerta de perigo nesse local”, reclama o agente enquanto cidadão. A reportagem questionou a Prefeitura sobre a retirada das placas, mas não obteve retorno.

Obras

Em nota, a Seinfra diz que realiza monitoramentos constantes nos pontos de alagamento e limpeza periódica das bocas de lobo para evitar o acúmulo de água das vias. “Porém, sempre que há chuva com grande volume, como a que ocorreu no domingo (29) e nesta segunda-feira (30), as águas levam material terroso para as bocas de lobo e galerias. Por isso, nova intervenção tem de ser realizada”, diz.

As intervenções no trecho do acidente só devem ser feitas quando a gestão municipal retomar as obras da Marginal Cascavel, que seriam iniciadas em 2020, mas não prosseguiram após a empresa vencedora da licitação desistir do contrato. O chamado trecho 3, que irá incluir o ponto do acidente, será licitado novamente. No ano passado, a previsão era de início das obras neste semestre. Nesta segunda, porém, a Seinfra não informou se a previsão se mantém.

Wildes Barbosa
Local onde corpo de Warley foi localizado, a 4,2 quilômetros de onde ele caiu
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