Warley é o décimo que morre em enxurradas nos últimos 12 anos
Registros revelam casos quase idênticos, de pessoas arrastadas para córregos ou bueiros, em ruas alagadas. Prefeitura diz que não fará intervenção imediata no ponto onde jovem morreu e recomenda não passar no local em dia de chuva
Luiz Phillipe Araújo
31 de janeiro de 2023 às 22:10
Modificado em 19/09/2024, 00:16

Assim como a família de Warley de Melo Adorno, de 22 anos, pelo menos outras nove choraram a perda de um membro arrastado por enxurradas nos últimos 12 anos. Nove vítimas foram em Goiânia e uma em Aparecida de Goiânia. Levantamento feito pela reportagem mostram registros quase idênticos desde 2010. Com o caso deste ano, são nove acidentes com dez vítimas ao todo.
Warley foi arrastado pela enxurrada quando tentava seguir pela Avenida C-107, no Jardim América, na capital. Imagens feitas por populares mostram o jovem pouco tempo antes de ser levado pela força da água. Um vídeo feito por populares mostra ele a poucos metros do acesso para uma espécie de bueiro que liga a via ao Córrego Cascavel. Na filmagem ele cai e desaparece. O caso ocorreu nesta segunda-feira (30) ( leia mais abaixo ).
A secretária Bruna Rodrigues Pereira, de 22 anos, morreu no dia 6 de outubro de 2011, ao ser arrastada pela enxurrada na Avenida Feira de Santana para dentro do Córrego Serrinha, no Parque Amazônia. O corpo de Bruna foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros a 1,5 quilômetro do local, nos fundos de um clube no Parque Amazônia, presa a galhos de árvores, uma hora depois do acidente.
Após o acidente que acabou na morte de Bruna a gestão municipal da época instalou grades na passagem da água entre a via e o córrego.
Em janeiro de 2018 o motociclista Rodrigo Teixeira Chaves, de 42 anos, foi derrubado de sua moto pela enxurrada e arremessado para um bueiro da Avenida 3ª Radial, no Setor Pedro Ludovico, onde foi levado pela força da água. O corpo do motociclista foi encontrado algumas horas depois pelo Corpo de Bombeiros, a 300 metros do local, preso em galhos às margens do Córrego Botafogo.
Marlon Satiro de Aguiar, em outubro de 2016, caiu na canalização do Córrego Botafogo após a motocicleta que pilotava perder o controle na pista durante forte chuva e arremessá-lo para o curso d'água. Três anos antes, o casal Ediarlei Ramos, de 40 anos, e Luz Marina Vargas Bueno, de 35, morreu quando tentava atravessar uma ponte na Rua Viela Nonato Mota, entre os bairros Vila Redenção e Setor Pedro Ludovico, em uma motocicleta ( veja detalhes no quadro ).
Warley foi localizado nesta terça-feira (31) após uma operação do Corpo de Bombeiros. O corpo dele estava a aproximadamente 4 quilômetros do ponto da queda, na altura da Avenida Padre Wendel, na Vila Abajá.
Um amigo de Warley disse à reportagem que o jovem seguia para uma entrevista de emprego no momento do acidente. Segundo o amigo, Warley estava muito feliz com a nova motocicleta, uma Honda CG 160 Titan, adquirida há pouco tempo. "Ele conseguiu deixar a moto do jeito que ele queria", diz.
O rapaz era morador de Aparecida de Goiânia e trabalhava em uma empresa que presta serviços para a Saneago. De férias, Warley estava em busca de um novo emprego. Solteiro, o jovem não deixa filhos, mas namorava e pretendia casar, um dos motivos para estar procurando um novo emprego, conforme informou um primo. Seu corpo começou a ser velado às 22 horas desta terça, no Centro, de Aparecida de Goiânia.
A área entre a C-107 e o Córrego conta com grades de proteção contra o impacto de veículos, o chamado guard rail. A estrutura foi instalada a cerca de dois meses e, segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra), serve para que carros não sejam arrastados para a margem, mas não foi projetada "para contenção de pedestres e motociclistas". Assim, a pasta diz em nota que o recomendado é que pedestres e motociclistas "evitem transitar em pontos de captação da água da chuva para evitar acidentes".
Morador de uma casa a cerca de 30 metros do ponto onde o motociclista desapareceu, Marcelo Lopes diz que desde que mudou para o endereço, há 39 anos, observa o local com preocupação. "Colocaram o guard rail há pouco tempo, depois de muita reclamação. Mas o que a vizinhança sempre pediu era algo que protegesse o corpo humano, uma grade mais fina que pudesse segurar", avalia o morador que diz estar com o coração doendo após a morte de Warley.
Na esquina da C-107 com a Rua C-190, ponto quase exato onde o motociclista perdeu o equilíbrio, fica a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Trabalhando no local há 10 anos, Nilton Cezar Salgado, agente da Polícia Civil, diz que o acidente foi uma tragédia anunciada. "Todos os anos quando ocorre um volume maior de chuva, algum transtorno acontece", diz ao lembrar que é comum ver carros terem problemas mecânicos quando tentam passar e enfrentam o excesso de água na pista.
A situação do local, segundo Nilton, ficou ainda mais perigosa após intervenção de trânsito realizada no ano passado. A Rua C-190, que faz esquina com a C-107, foi transformada em mão única, sendo proibido o acesso de motoristas da C-107 para a C-190. "Quando era via de mão dupla funcionava como rota de fuga durante os alagamentos", explica o agente ao detalhar que era comum ver motoristas optando por pegar a C-190 para não enfrentar a força da água.
Outro problema, conforme avalia Nilton, foi a retirada das placas que alertavam para possível alagamento no local, ação que teria sido tomada também no ano passado. "Então não existe nenhum alerta de perigo nesse local", reclama o agente enquanto cidadão. A reportagem questionou a Prefeitura sobre a retirada das placas, mas não obteve retorno.
Obras
Em nota, a Seinfra diz que realiza monitoramentos constantes nos pontos de alagamento e limpeza periódica das bocas de lobo para evitar o acúmulo de água das vias. "Porém, sempre que há chuva com grande volume, como a que ocorreu no domingo (29) e nesta segunda-feira (30), as águas levam material terroso para as bocas de lobo e galerias. Por isso, nova intervenção tem de ser realizada", diz.
As intervenções no trecho do acidente só devem ser feitas quando a gestão municipal retomar as obras da Marginal Cascavel, que seriam iniciadas em 2020, mas não prosseguiram após a empresa vencedora da licitação desistir do contrato. O chamado trecho 3, que irá incluir o ponto do acidente, será licitado novamente. No ano passado, a previsão era de início das obras neste semestre. Nesta segunda, porém, a Seinfra não informou se a previsão se mantém.


Local onde corpo de Warley foi localizado, a 4,2 quilômetros de onde ele caiu (Wildes Barbosa)