Homem em surto faz refém em hospital e é morto por policial
Paciente internado no Hospital Municipal de Morrinhos rende técnica de enfermagem e acaba morrendo por disparo efetuado por policial militar
Malu Longo
20 de janeiro de 2025 às 07:33

Luiz Claudio ameaça refém na frente de policial militar em hospital (Reprodução)
Na noite de sábado (18), a técnica de enfermagem Cinthia da Silva Nascimento, que estava de plantão na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Municipal de Morrinhos, foi surpreendida por um dos pacientes internados na ala. Em surto psicótico, Luiz Claudio Dias, 59 anos, de posse de um caco de vidro arrancado de uma janela quebrada, a fez refém com o objeto cortante em seu pescoço diante dos demais pacientes e colegas que ficaram atônitos diante da situação. A medida urgente foi chamar a Polícia Militar que tentou negociar com Luiz Cláudio. Sem sucesso, um dos policiais atirou nos membros inferiores do paciente, mas o projétil atingiu a lateral do abdome. Atendido de imediato, ele não resistiu.
O caso repercutiu muito neste domingo (19). Logo após o fato, o prefeito de Morrinhos, Maycllyn Max Carreiro Ribeiro esteve na unidade de saúde com membros de sua equipe para se inteirar das circunstâncias da ocorrência. Ele lamentou a morte do paciente que estava em tratamento na UTI há três dias. "Foi uma fatalidade. Um fato atípico". A UTI da unidade de saúde é terceirizada, um contrato gerido pela gestão municipal. O paciente Luiz Claudio Dias, que vivia em Professor Jamil, a 63 km da cidade, tinha sido levado pela família para Piracanjuba em razão de problemas crônicos de saúde e de lá regulado ao hospital de Morrinhos.
A família de Luiz Claudio Dias soube de sua morte ainda na noite de sábado. Em vídeos divulgados em sua rede social, o filho do paciente, o cirurgião dentista Luiz Henrique Dias, demonstrou indignação com o desfecho do caso. Na madrugada, enquanto o corpo do pai estava no IML de Morrinhos, ele disse que o pai tinha levado um tiro dentro do hospital como paciente e a prefeitura não ofereceu nenhum acolhimento. "Mataram meu pai. Ele teve uma crise de hipoglicemia." Um vídeo feito por um servidor do hospital mostrando todo o episódio viralizou nas redes sociais. "Eu soube da morte do meu pai antes da equipe médica me avisar. Que despreparo desse povo", disse o filho da vítima chorando.
O prefeito Maycllyn Carreiro informou à reportagem que não sabe quem fez e como o vídeo viralizou. "É uma situação muito difícil". Ele garantiu, entretanto, que pessoalmente ofereceu apoio a Luiz Henrique, repassou a ele o número de seu telefone e uma assistente social da prefeitura o acompanhou enquanto ele achou necessário. "Eu compreendo que o momento dele é complicado. O que aconteceu foi uma tragédia e com muitos atores: o próprio paciente em surto, a equipe médica e de enfermeiros tentando fazer o necessário, a PM foi acionada porque havia uma refém e tentou uma negociação. Quando a enfermeira num instinto de sobrevivência se desvencilhou, o paciente foi atrás e voltou a segurá-la, foi nesse momento que houve o disparo", comentou o prefeito.
A reportagem tentou ouvir Luiz Henrique neste domingo (19), mas não teve sucesso. Após o sepultamento do pai, em Professor Jamil, ele divulgou outro vídeo expondo sua revolta. Ele contou que o pai era um homem muito doente, paciente renal crônico dependente de hemodiálise há 24 anos, diabético tipo 1, deficiente visual em ambos os olhos e vinha tendo picos de hipoglicemia que ocasionalmente o deixava sem consciência dos atos. "Estive no hospital sábado e perguntei ao médico plantonista porque ele ainda estava na UTI. Ele respondeu que era protocolo para o uso de insulina em bomba para regular a diabete e antibióticos, o que não era feito na enfermaria. Meu pai estava bem."
Pelas redes sociais, a família divulgou uma nota pedindo que a cobertura sobre o assunto "seja feita com ética e comprometimento, sem sensacionalismo e que a memória de Luiz Cláudio não seja reduzida a um estigma ou a uma narrativa incompleta." No comunicado, a família lamenta o medo vivido pela técnica de enfermagem. A nota diz ainda que Luiz Cláudio estava fisicamente enfraquecido. "Mesmo nessas condições, foi pisoteado e executado à queima-roupa por dois policiais de forma desproporcional, cruel e absolutamente inadmissível." Para a família, a conduta da equipe de saúde e da força policial "deveria ter sido técnica, responsável, humana, proporcional à situação".
Nove na UTI
No momento da tragédia, estavam sob cuidados na UTI do Hospital Municipal de Morrinhos nove pacientes, parte deles inconscientes que não perceberam nada do que ocorreu. Foi o que informou o prefeito Maycllyn Carreiro que neste domingo esteve na unidade de saúde para visitá-los. "Eles estão bem. Alguns não tiveram conhecimento do incidente." O prefeito falou também com a técnica de enfermagem, Cinthia Nascimento que, segundo ele, vem recebendo amparo psicológico da equipe municipal. "Ela ainda está muito abalada", contou.
Maycllyn explicou que não esteve no funeral de Luiz Claudio Dias, em Professor Jamil, respeitando o momento da família, mas que tentou contato com seu filho, neste domingo, e não teve retorno. Na nota divulgada pelas redes sociais, a família diz que irá buscar justiça, "para que os responsáveis por essa violência brutal sejam responsabilizados e para que o caso se torne um marco na reflexão sobre as falhas do poder público em lidar com situações de crise envolvendo pessoas vulneráveis".
Em nota, a Polícia Militar de Goiás explicou que executou protocolos de gerenciamento de crise para liberar a refém. "Apesar das tentativas de verbalização para que o autor liberasse a vítima, ele permaneceu em atitude agressiva e reiterou as ameaças", afirma o comunicado, por isso de "um disparo de arma de fogo para neutralizar a agressão e resguardar a integridade física da refém". Segundo a PM, mesmo alvejado, o paciente continuou resistindo, por isso a contenção pelos demais policiais. O comando da corporação determinou a instauração de procedimento administrativo para apurar os fatos. A Polícia Civil também irá investigar a ocorrência.