Construção de 12 creches se arrastam há anos e 9 obras estão paralisadas. Com unidades prontas, município poderia reduzir demanda de 10,6 mil novas vagas em 16,2%
A conclusão de 12 Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) inacabados poderia gerar 1,7 mil vagas para as crianças que aguardam por creches e pré-escolas em Goiânia. Entretanto, apenas três dessas obras estão em andamento. A situação das obras paralisadas tem sido levantada pela nova gestão municipal, mas, enquanto não é possível disponibilizar o total de vagas -- equivalente a apenas 16,2% do déficit estimado de 10,6 mil -- a proposta é zerar a fila de espera com outras medidas. Dentre elas, a ampliação de convênios com instituições sem fins lucrativos, aumento de matrículas nas unidades públicas já existentes, e compra de vagas na rede privada. Esta última, ainda não iniciada.
Ao anunciar a abertura de 2,7 mil vagas para este início de ano letivo durante coletiva de imprensa no último dia 7, o prefeito Sandro Mabel (UB) citou que o Paço conta com 30 obras de Cmeis em diferentes estágios, considerando ainda aquelas que têm a licitação homologada, mas ainda não há ordem de serviço assinada, ou seja, a empresa vencedora não pode iniciar a construção. Dentre o quantitativo elencado pelo chefe do Executivo de Goiânia, quase a metade é construção inacabada e que perdura há anos, sendo que parte delas tem mais de uma década de duração. A proposta da nova gestão municipal, contudo, é priorizar a ampliação de vagas por meio de ações com resposta rápida.
"O que é importante para mim? Não é obra, é criança na escola. Obra é necessário sim, mas consigo viabilizar rapidamente as vagas sem ter que ficar pensando nisso. Se uma criança está nascendo agora, daqui seis meses ela precisa de vaga. Vou ficar esperando dois anos para construir (o Cmei) e a criança vai perder nesses anos oportunidade de formar todo o cognitivo dela. Hoje, nós estamos preocupados com vaga. Colocando mais, construção é coisa que tenho tempo para fazer", enfatizou Mabel, ao acrescentar que, diante da dificuldade financeira, todos os contratos estão sendo revistos. "Vamos terminar isso e deixar pronto para, assim que tiver o dinheiro, terminar esses Cmeis."
Enquanto não são concluídas as obras dos prédios públicos, as estruturas se deterioram com o tempo. Desde 2014, quando foi firmado convênio junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a Prefeitura tenta finalizar sete obras de Cmeis nos setores Parque Atheneu II e Grande Retiro, situados na região Leste da capital, Residencial Barravento e Floresta, na região Noroeste, e Jardim Real, Residencial Mendanha e Solar Ville, localizados na região Oeste de Goiânia. Anunciadas durante a gestão do então prefeito Paulo Garcia (PT), foram prometidas para serem inauguradas nos mandatos de Iris Rezende (MDB) e Rogério Cruz (SD). Entretanto, dentre estas, estão em andamento apenas as do Residencial Mendanha (79% executado) e do Parque Atheneu II (67%).
Regime diferenciado
As intervenções com recursos do governo federal e contrapartida do município foram retomadas após maio e julho de 2024, respectivamente, quando foram assinadas as ordens de serviços das novas licitações feitas no ano anterior, do tipo Regime Diferenciado de Contratações (RDC), com custo total de R$ 755,6 mil e R$ 1,2 milhão. Na unidade do Parque Atheneu II, o contrato com a empresa Antech Solução e Gestão Ltda firmado em outubro de 2023 e prazo de 240 dias, foi prorrogado por três vezes e segue vigente até maio deste ano. A reportagem esteve no local nesta quinta-feira (16) e encontrou profissionais da empresa no espaço, mas não havia movimentação na obra. Contudo, chovia no momento.
Dentre as etapas da construção, a parte estrutural de quatro prédios já está finalizada, mas falta o acabamento. No bloco de entrada, entretanto, a estrutura já conta com infiltração. Diante das chuvas ocorridas na capital, havia uma poça de água e o piso apresentava lodo. Os tetos das salas do bloco também contam com mofo, além de determinadas rachaduras. Parte das portas e janelas de vidro estavam quebradas, e há pichações no lado externo e interno de alguns prédios. Na parte da frente, onde ainda não foi instalado o portão de entrada, sendo esta totalmente fechada com tijolo, o mato alto toma conta da calçada e o espaço inutilizado tem sido ponto de descarte de lixo e restos de poda de árvores.
A conclusão do Cmei Parque Atheneu II incrementaria 160 vagas na rede municipal de ensino. Há outras cinco unidades em um raio de até dois quilômetros de distância, sendo que um deles, o Cmei Jardim Mariliza, está localizado a menos de 500 metros. Este também é um daqueles cuja obra está paralisada. O local deveria passar por uma intervenção para ampliação do espaço para atendimento de mais 40 crianças, mas a obra tem se arrastado. Em setembro de 2023 foi firmado contrato junto à empresa Senior Engenharia de Automação e Serviços Especializado, no total de R$ 645,7 mil, com recursos do tesouro municipal, para retomada do serviço. Conforme dados da Secretaria Municipal de Educação (SME), 15% foi executado e o contrato foi vencido em maio de 2024. Há um projeto de ampliação na unidade desde 2012, sendo que em 2019 a unidade ganhou duas salas modulares, quando passou a atender 125 crianças.
Recursos federais
Assim como o projeto do Parque Atheneu II, com capacidade de atendimento de 160 vagas para a região Leste, o Cmei Residencial Mendanha incluiria mais 160 crianças nas creches da parte Oeste da capital. No setor, as famílias que precisam de matrícula para os filhos precisam andar a uma distância de ao menos dois quilômetros de distância, até a unidade do Conjunto Vera Cruz. A região Oeste é justamente a segunda maior demanda por creches da rede municipal de educação: 1.862 vagas. Os dados sobre o déficit foram levantados pela equipe de transição, no fim de 2024, e divulgados na ocasião pelo POPULAR. Já a maior espera ocorre na região Sudoeste da capital, onde foram mapeadas 2.322 crianças. A lista segue com as regiões Noroeste (1.669), Norte (1.527), Central (1.345), Sul (1.191) e Leste (779), totalizando uma fila total de 10.695.
Outras cinco obras feitas com recursos do governo federal que se encontram paralisadas abririam 800 vagas. A região Oeste, a exemplo, tem mais duas e com apenas um terço concluído, nos setores Jardim Real e Solar Ville. A primeira, tem apenas 33% feito e segue sem andamento desde 2015. Em 2020, foi feito contrato junto à JL2 Engenharia Comércio e Distribuição Ltda no total de R$ 1,5 milhão para ser finalizado naquele ano. O acordo foi prorrogado até 2021, mas sem conclusão. No ano seguinte, um processo por descumprimento de contrato tramitou na SME. Conforme a pasta, a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) está com o processo para "atualização de projetos e orçamentos com finalidade de realização de nova licitação". A situação é a mesma para o Cmei Solar Ville, que está 35% concluído e parado desde 2015. A JL2 Engenharia também venceu a licitação em 2020 para a entrega da unidade, por R$ 1,5 milhão, o contrato foi prorrogado até 2021, mas a obra seguiu sem avanços.
Na região Noroeste, os Cmeis Floresta e Residencial Barravento têm respectivamente 42% e 77% da obra executada. A primeira unidade teve licitação fracassada em 2023 e, segundo a SME, o processo está na Seinfra para "prosseguimento de atualização de preço e projetos". O valor licitado, conforme a SME, foi de R$ 2,8 milhões. Em 2019, a JL2 Engenharia foi novamente a vencedora da licitação para conclusão no Bairro Floresta, no total de R$ 1,8 milhão, mas não foi entregue mesmo após a prorrogação do contrato até 2021. Já o Cmei Residencial Barravento teve ordem de serviço assinada em 2023, com previsão para aquele ano, e o contrato com a Jaspe Construtora e Incorporadora Ltda, no valor de R$ 1,1 milhão, foi encerrado em setembro de 2024, sem entrega. A pasta diz que há um processo para "apuração de responsabilidade e aplicação de penalidade à empresa."
O Cmei Grande Retiro tem 54% executado. A unidade paralisada em 2015, com 35% concluído, também foi retomada no fim de 2019 com a licitação vencida pela Red Construtora e Serviços Ltda, por R$ 1,3 milhão. Após um ano de contrato, houve avanços, mas a conclusão ainda segue com prazo incerto. O processo está na Seinfra para atualização de projetos e orçamentos e a realização de um novo processo licitatório.
Empréstimo bancaria oito obras
Ao divulgar a lista para obras que seriam contempladas com empréstimo feito pela Prefeitura, em março de 2024, oito Cmeis que aguardavam conclusão foram citados no documento. Dentre eles, construídos com recurso do tesouro municipal, o recém intitulado Cmei Martha Maria de Souza Carmo, na Vila Pompéia, região Norte da capital, e os Cmeis Jardins do Cerrado VII e Jardim São José, na região Oeste. Além deles, os já citados Cmeis Parque Atheneu II, Residencial Barravento, Residencial Mendanha e Jardim Mariliza, e o Cmei Santa Helena, o único concluído até então e inaugurado em julho passado.
Na Vila Pompéia, o antigo prédio da Escola Municipal Professor Aristoclides Teixeira deu lugar a um Cmei com o mesmo nome, que foi nomeado por lei de 2024 como Martha Maria de Souza Carmo. Moradores dos arredores da unidade educacional contam que a construção já se arrasta há 15 anos. Por isso, relatam, o local era utilizado para uso de drogas ou por criminosos. Desta forma, a retomada das obras, em setembro passado, foi um alívio para a vizinhança. A empresa Senior Engenharia foi a vencedora da licitação em 2023, por R$ 1,5 milhão e, conforme a SME, já executou 8%. No local, profissionais mencionaram que falta a instalação das redes hidráulica e elétrica, além do "contrapiso e reboco". O prazo de execução do contrato, previsto para encerrar no dia 8 de fevereiro, foi prorrogado por mais 150 dias.
Além das obras para conclusão dos Cmeis que se arrastam há anos, a promessa do mandato de Rogério Cruz era construir 20 Cmeis dentro do programa Goiânia Adiante, anunciado em 2022. Das unidades previstas, entretanto, apenas a situada no Jardim Colorado foi iniciada. O contrato firmado no fim de 2023, com vigência até março deste ano, tem valor total de R$ 3,6 milhões e proposta de abrir 192 vagas na região Noroeste. A ordem de serviço foi dada em setembro de 2024 e, até o momento, 2% foi feito.
No local, a reportagem observou apenas poucos materiais deixados na área, como brita e tijolo de concreto.
Promessa é zerar fila antes de entrega de obras
Logo no início deste ano letivo, a nova gestão municipal garante ter feito a abertura de 2,7 mil vagas para creches. Dentre elas, 1,5 mil foram abertas em Centros Municipais de Ensino Infantil (Cmeis) desde o dia 7 de janeiro, quando se iniciou a pré-matrícula, e outras 1,2 mil serão ofertadas até o fim do mês em unidades geridas por instituições filantrópicas e religiosas por meio de convênio com a Prefeitura, denominadas de Centros de Educação Infantil (CEIs). Nos primeiros cem dias do mandato de Sandro Mabel (UB), a promessa é que 5 mil vagas já tenham sido ampliadas para o atendimento de crianças. Mas, para zerar a fila, a expectativa é que as 10 mil vagas estejam abertas até junho.
Além da abertura de vagas nos Cmeis existentes por meio da reorganização de turmas, da ampliação de convênios com entidades sem fins lucrativos, o Paço tem planejado fazer a compra de vagas em unidades privadas de ensino. A oferta na rede privada já estava sendo discutida pela equipe de transição, por meio do envio de um projeto de lei à Câmara Municipal.
Entretanto, agora, a ideia é regulamentar uma lei de 2021 que autoriza convênios com escolas particulares por meio de "bolsa creche". Conforme a coluna Giro mostrou no último dia 14, a estimativa é que cada vaga custe entre R$ 400 e R$ 700. O decreto segue na Procuradoria Geral do Município (PGM) para emissão de parecer jurídico.
A proposta para compra de vagas na rede privada tem sido questionada pelo vereador Fabrício Rosa (PT), que encaminhou ao Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) um pedido de medida cautelar para suspender contratos ou convênios relacionados à aquisição, além de cobrar a apresesentação de "estudos detalhados de impacto financeiro e critérios objetivos para execução da política pública, contendo a quantidade de unidades inauguradas, relação das entidades privadas que se pretende contratar, relação de editais de financiamento público". Para Rosa, há irregularidades no processo de compra de vagas. O processo foi recebido no último dia 14 e está em análise técnica na Secretaria de Controle Externo de Políticas Públicas da Corte.
Fila persiste
Enquanto a promessa de zerar o déficit não se concretiza, parte das famílias se mantém com a mesma angústia. Moradora do Parque Industrial João Braz, na região Oeste da capital, a secretária Jéssica Muniz Menezes, de 28 anos, é mãe de dois meninos, de 2 e 3 anos, e tem tentado concretizar a matrícula para os filhos. Mas, até agora, segue na fila de espera. "Estou aflita, olhando toda hora para ver se foi liberada. No momento estou pagando R$ 900 para cuidarem deles, só para não perder o trabalho. Literalmente estou trabalhando só para pagar alguém para cuidar, porque não posso perder a vaga", lamenta ela, que deve seguir arcando com o custo mesmo após a retomada das aulas, nesta segunda-feira (20), pela falta de vagas.
Nos últimos anos, a alta procura na Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) por familiares de crianças que aguardam vagas em creches tem motivado a instituição a realizar mutirões de atendimento. Em fevereiro de 2024, a exemplo, a ação foi realizada por três dias e finalizou com mais de 1,5 mil atendimentos. Em dezembro passado, a reportagem mostrou que 502 processos foram ajuizados, e outros 167 resolvidos extrajudicialmente. À época, o coordenador do Núcleo Especializado em Atuação Extrajudicial (NAE) da DPE-GO, Bruno Malta, explicou que dentre as ações que foram à Justiça, cerca de 90% tiveram parecer favorável e a vaga foi disponibilizada.
Para o início deste ano letivo, o defensor público pondera que a procura pela instituição tem sido em uma média de 30 atendimentos por dia. Ainda não foi definido se haverá mutirão neste ano, já que "vai depender da quantidade de atendimentos das próximas semanas".