GABRIELLA BRAGAUm terço do total de acidentes de trabalho registrados em oito anos, em Goiás, acometeu trabalhadores de apenas dez grupos de atividades econômicas. Ao todo, são 285 previstos na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae). Os grupos mais perigosos representam 46,9 mil vítimas, do total de 128 mil. O quantitativo geral corresponde a uma média anual de 16 mil ocorrências.Os dados são referentes aos anos de 2014 a 2021, retirados do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção de Trabalho no Brasil (SIT), mantido pelo Ministério do Trabalho e Previdência. O maior número de afastamento ocorre em profissionais de abate e fabricação de produtos de carne, com mais de 9 mil ocorrências, seguido pelas atividades de atendimento hospitalar, com 8,6 mil (veja quadro).Dentre os dez grupos de atividades econômicas mais afetados, seis estão na lista daqueles com mais acidentes fatais. No mesmo período, o estado registrou 793 óbitos. Abate e fabricação de produtos de carne, a exemplo, é a primeira em ocorrências e a sétima em mortes. Já os profissionais do transporte rodoviário de carga têm a maior taxa de fatalidade, com 84 óbitos, mas ficam em oitavo em número de registros. A construção de edifícios é outro grupo que figura como nono no número de acidentes e quarto de óbitos. Nesta quinta feira (9), inclusive, a queda de um guindaste em uma obra no Setor Marista, em Goiânia, deixou três funcionários feridos (leia mais na página ao lado).A advogada especialista em Direito do Trabalho e conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Goiás (OAB-GO), Thanilla Oliveira, diz que alguns fatores explicam uma maior incidência nos grupos. Primeiro, as atividades possuem um risco maior diante do uso de maquinários ou objetos perigosos, como os trabalhadores da indústria e do campo, ou risco de contaminação biológica, como é o caso dos profissionais da saúde.Por outro lado, pontua que, mesmo com um risco maior, ações individuais do empregado e do empregador podem impulsionar a chance de incidência de acidentes na atividade laboral. “O fato das empresas não terem uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), o acompanhamento e a fiscalização do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). A falta de capacitação dos empregados para o trabalho. Tudo isso faz aumentar o risco”, explica.Para ela, há ainda a responsabilidade do trabalhador de fazer o uso dos equipamentos para evitar se expor a um risco desnecessário. “Acidentes de trabalho é um fato imprevisto. Mas quando deixa de usar equipamentos de proteção individuais e coletivos, está colocando em risco a segurança. A maior dificuldade é fazer os funcionários usarem o EPI, obedecer instruções de uso (dos objetos laborais).”Conforme Thanilla, as empresas precisam investir na entrega dos equipamentos de proteção, na capacitação dos profissionais para as atividades que serão desempenhadas por ele, e na fiscalização das normas de segurança. “E tendo acompanhamento jurídico, do técnico de segurança do trabalho, do médico do trabalho, por aí não teremos risco. Infelizmente vai acontecer, mas vai diminuir muito os impactos”, descreve.Chefe do Setor de Fiscalização em Segurança e Saúde no Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho em Goiás (SRT-GO), a auditora-fiscal Jaqueline Felix aponta que os acidentes de trabalho no estado são mais evidenciados nos setores de transportes, construção civil, indústria da transformação e atividades de atendimento hospitalar.“Os motivos dos acidentes são os mesmos dentre os diversos setores econômicos. Os acidentes de trabalho ocorrem pela falta de gestão de segurança e saúde no trabalho pelo empregador, falta de um gerenciamento dos riscos ocupacionais existentes, da precarização das relações de trabalho, exigência de jornadas exaustivas, e ritmos de trabalho excessivos”, descreve.Segundo ela, são vários os problemas decorrentes das ocorrências na atividade laboral. “Acidentes fatais, acidentes com lesões incapacitantes, afastamentos geram desarranjos familiares, queda da renda familiar, traumas físicos e psicológicos, transtornos a todos os membros da família do acidentado.”Além disso, para a empresa, pode haver maior contribuição à Previdência Social com aumento do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), multas, além de interdições, em casos mais graves. “(Já) a sociedade perde a força de trabalho daquele trabalhador, além dos gastos e ocupações hospitalares com os acidentados. Todos perdem”, defende.O superintendente de Vigilância de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, Yves Martes, explica que na capital o perfil dos atendidos pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) é de trabalhadores da construção civil e motociclistas, a exemplo dos entregadores, Também acomete aqueles ligados aos serviços gerais e técnicos de enfermagem.Conforme ele, isso ocorre porque a economia da cidade é voltada à prestação de serviços, mostrando uma característica diferente do visto em nível estadual. Por outro lado, aponta que o perfil é enviesado, pois muitos profissionais, mesmo sendo encaminhados para o Cerest, se recusam a buscá-lo. O centro é responsável por atender trabalhadores acidentados, com atendimento de profissionais da saúde, a exemplo de infectologistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.Para Martes, a jornada de trabalho exaustiva e a própria falta de cuidado do trabalhador, visto que muitas vezes precisa se colocar em situações de risco para garantir a finalização rápida de um serviço, acabam por dificultar a redução dos acidentes. “É preciso promover melhores condições de trabalho, melhor retorno financeiro, que aí a sobrecarga seria menor”, pontua.Os agentes causadores Considerando os maiores agentes causadores das 128 mil ocorrências no estado, 43,1% dos casos foi ocasionado por ferramenta, máquina, equipamento ou veículo. O segundo maior causador é a substância química, material e produto, com 12,7% dos casos, ou um total de 16,2 mil incidentes. Do total, 22%, ou 28,2 mil dos trabalhadores acidentados, tiveram fraturas. Outros 18,4 mil, ou 14,3% sofreram feridas abertas. A maior situação geradora envolve impacto de pessoa contra objeto, representando 16,4% do total, com 21 mil ocorrências. Em seguida, a queda de pessoa com diferente nível, com 18,3 mil, ou 14,7% dos acidentes.A parte do corpo mais atingida é o dedo, com 23,7 mil, ou 18,5%, o pé, ocorrendo em 9,3 mil casos, o que equivale a 7,3%, e a mão, com 6,9 mil acidentes, relacionados a 5,4% do total de 128 mil acidentes de trabalho.redareda