Mãe da paciente lamentou os comentários: 'não a conheciam e nem se aprofundaram no caso'. Vitória Chaves morreu em decorrência de uma cardiopatia congênita, em fevereiro deste ano

Estudantes de medicina Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano comentam sobre transplantes feitos por Vitória Chaves da Silva (Reprodução/Redes sociais)
A jovem ironizada por alunas de medicina após três transplantes no coração foi de ambulância para fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2019. Natural de Luziânia, no Entorno do Distrito Federal, Vitória Chaves da Silva morreu aos 26 anos, em fevereiro deste ano, e tinha o sonho de ser médica.
Só de conseguir fazer a prova já é uma vitória. Estou confiante, já deu certo", disse a jovem na época.
Segundo a perícia, a causa da morte de Vitória foi em decorrência de uma cardiopatia congênita. Ela chegou a passar por três transplantes de coração e um de rim. Pelas redes sociais, as estudantes Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano postaram um vídeo para debochar da situação da jovem. Nele, alegaram que a paciente não tomava a medicação.
Essa menina está achando que tem sete vidas", declararam.
Em uma nota enviada ao g1, as duas estudantes negaram que fizeram deboche ou foram insensíveis com a situação da paciente. "Lamentamos profundamente que o vídeo --- gravado sem qualquer informação que possibilitasse identificação --- tenha sido interpretado de forma diversa da nossa real intenção, vinculando-o a uma determinada pessoa", (veja íntegra da nota no final desta reportagem) .
No entanto, no vídeo os comentários delas foram considerados "maldosos" pela família de Vitória.
A gente está sem acreditar até agora. Um transplante cardíaco já é burocrático, é raro, tem questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas. Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor", disse Thaís.
O Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) se manifestou sobre o caso. A instituição informou que "as alunas envolvidas na ocorrência são graduandas de outras instituições, que estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração".
Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis", cita trecho do comunicado (veja íntegra da nota ao final deste texto.
A mãe de Vitória, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves, em entrevista ao programa Encontro, da TV Globo, na quinta-feira (9), lamentou o que classificou como falta de empatia das estudantes de medicina.
Ela lutou 26 anos e viu duas alunas, que não a conheciam e nem se aprofundaram no caso, expondo ela desse jeito. [...] Quem quer ir para um centro cirúrgico sem saber se vai voltar viva? Quem quer ser serrado no peito? Quem quer ficar numa UTI sem poder andar? [...] E aí duas alunas vêm e debocham? Minha filha era uma vida, não um objeto. Minha filha não brincou com a vida", defendeu a mãe.
Conforme a família, Vitória enfrentou três transplantes no coração. O primeiro aos 7 anos e o segundo aos 18 anos (2016). Em 2019, o g1 fez uma reportagem com a jovem, que estava com 20 anos, e sofria um quadro de rejeição aguda do órgão. Na ocasião, ela estava internada no Instituto de Cardiologia (ICDF), em Brasília.
Repercussão do caso
O vídeo das estudantes, publicado nas redes sociais de Thais, comentando sobre a situação da paciente foi apagado após a repercussão negativa (veja o vídeo abaixo) . Em tom considerado como "deboche" pela família de Vitória, Gabrielli e Thaís não chegaram a mencionar o nome da jovem, mas disseram que ficaram chocadas ao saber da quantidade de transplantes de apenas uma paciente no InCor, em São Paulo.
Gabrielli chega a afirmar que o segundo transplante de Vitória teve rejeição do órgão por falta de comprometimento da paciente em administrar a própria medicação. "Teve que transplantar de novo por erro dela", narrou a estudante.
Thaís continua: "Não sei. Já é tão raro, difícil a questão de compatibilidade, doação, 'n' fatores que não sei especificamente por que não passamos por cirurgia cardíaca ainda. Estou em choque. Simplesmente uma pessoa que passou por três transplantes de coração. Ela recebeu três corações diferentes".
Íntegra da nota das estudantes
Diante da repercussão gerada por um vídeo publicado em ambiente pessoal, nós, estudantes de Medicina mencionadas em recentes reportagens, vimos a público prestar alguns esclarecimentos, com respeito, empatia e responsabilidade.
O conteúdo divulgado teve como única intenção expressar surpresa diante de um caso clínico mencionado no ambiente de estágio.
A situação descrita, por sua raridade, despertou nossa curiosidade acadêmica e levou a uma reflexão espontânea sobre aspectos técnicos que jamais havíamos estudado ou presenciado.
É importante esclarecer que não tivemos contato com a paciente, não acessamos seu prontuário, não citamos seu nome, não capturamos nem divulgamos qualquer imagem, ou seja, não sabíamos sequer quem era. Também não temos como afirmar se as fotos que passaram a circular nas redes sociais são, de fato, da paciente mencionada nas matérias jornalísticas.
Lamentamos profundamente que o vídeo --- gravado sem qualquer informação que possibilitasse identificação --- tenha sido interpretado de forma diversa da nossa real intenção, vinculando-o a uma determinada pessoa.
Reafirmamos que não houve qualquer deboche ou insensibilidade. Nosso compromisso com a vida, a dignidade humana e os princípios éticos da Medicina permanece inabalável.
Lamentamos também que, por razões alheias à nossa intenção, alguns segmentos tenham divulgado trechos isolados do vídeo, fora de contexto, o que contribuiu para distorções na interpretação do conteúdo.
Manifestamos nossa solidariedade à família da paciente mencionada nas reportagens, a quem respeitamos sinceramente, e reiteramos que jamais tivemos a intenção de ofender, expor ou causar sofrimento. Estamos tomando as providências cabíveis para esclarecer os fatos e preservar nossa integridade pessoal, acadêmica e emocional.
Agradecemos às pessoas que têm nos escutado com respeito e compreensão neste momento difícil, que tem sido também de profundo aprendizado.
Íntegra da nota do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
A FMUSP esclarece que as alunas envolvidas na ocorrência são graduandas de outras instituições, que estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). Atualmente, não possuem qualquer vínculo acadêmico com a FMUSP ou com o InCor.
Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis.
Internamente, a FMUSP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição.
A FMUSP repudia com veemência qualquer forma de desrespeito a pacientes e reafirma o compromisso inegociável com a ética, a dignidade humana e os valores que norteiam a boa prática médica.
A instituição reforça ainda a missão de formar profissionais comprometidos com a excelência e com o cuidado humano, valores que são inegociáveis em nossa Instituição.