Criada em meio à requalificação da área verde nas nascentes do Córrego Areião, hoje a iniciativa de levar conhecimento sobre meio ambiente se expandiu para fora da unidade, mas carece de mais pessoal
Ainda ignorado por boa parte da população goianiense mesmo após mais de duas décadas, um conjunto de casinhas cumpre discretamente seu papel em uma das áreas verdes mais conhecidas da capital, vizinha de prédios de alto padrão: é a Vila Ambiental, instalada no Parque Areião. Um projeto que se confunde com a história da requalificação daquela unidade e que busca formar cidadãos para uma tarefa cada vez mais complicada -- salvar o planeta por meio da educação.
Segundo estimativa do ano passado, da própria Prefeitura de Goiânia, a Vila Ambiental recebe em torno de 7 mil visitantes por ano. A estrutura foi idealizada para promover conhecimento sobre o meio ambiente e levar à maior conscientização, com foco prioritário em estudantes. Os equipamentos originais se mantêm: sede administrativa, casas temáticas, trilhas, bambuzais e o Anfiteatro Natural. Sem ônus, o local é muito requisitado por turmas de escolas, mas também presta serviço a outros grupos. "Se houver umas dez pessoas interessadas, vamos atender", diz a educadora Cida Magalhães, servidora da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma).

Crianças de escola municipal participam de dinâmica com equipe de educadores no Anfiteatro Natural (Ana Cristina Ferreira / Amma)
Mais do que estrutura física, a Vila se faz por seus servidores -- os educadores ambientais da própria Amma, responsável pelos parques e reservas da cidade, e da Secretaria Municipal de Educação (SME), respectivamente sete e três profissionais. Cida é fascinada pela história do lugar em que trabalha e, numa primeira conversa, citou como uma boa referência sobre a Vila Ambiental o sociólogo Walter Cardoso Sobrinho, um dos idealizadores do projeto, concebido na gestão de Pedro Wilson (PT), na qual ele dirigiu a então Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma).
Contatado pela reportagem, Walter se dispôs a visitar o Parque Areião com a reportagem e reencontrar a Vila Ambiental. O espaço ficou registrado como uma das principais marcas daquele governo, criticado por não ter tido grandes obras, mas que, no início do século, relembra o ex-secretário, focou como poucos na educação. "Até por seu perfil, o prefeito Pedro Wilson centrou ações na educação, tanto formal como interdisciplinar, nas várias áreas. Foi também assim com a questão ambiental."
Embora não tenha a data exata, Walter diz que a estrutura da vila ficou pronta no final de 2003. "Foi tudo fruto de um amplo processo de discussão e reflexão, que tinha muito a ver com o fundamento daquela gestão", diz. Enquanto passeia pelo parque conversando com a equipe da Amma, ele conta que o planejamento da Vila Ambiental, bem como de toda a área, passou pelo filtro da preservação e do respeito à natureza. Isso se pode ver ainda hoje, por exemplo, no mobiliário que chama a atenção: muitas peças rústicas, que hoje são comuns na decoração de residências, restaurantes e outros estabelecimentos, mas que eram novidade à época.
Não só os móveis, mas também todas as placas indicativas da Vila Ambiental e outros itens foram feitos com o mesmo material. O autor das peças? O artesão pirenopolino Roque Pereira, pioneiros no uso do reaproveitamento de madeira. "Percorremos o município em busca de árvores mortas, galhos caídos ou quebrados. Depois, negociamos a cessão de uma marcenaria e contratamos 40 profissionais para ajudá-lo", lembra Walter. Assim Roque, que morreu em 2017, trabalhou assentos e mesas maciças, algumas com centenas de quilos. "Uma mesa assim não se acha hoje por menos de R$ 8 mil." Ao todo, foram exatos 848 itens, assegura o ex-secretário.
Muitos, infelizmente, se perderam com o tempo. Walter faz questão de dizer que o conceito sustentável do local se fez até mesmo no uso do dinheiro público. "Não saiu um centavo do erário para a obra da Vila Ambiental. Nada. Tudo fizemos por meio de acordos com empresas infratoras", diz. As autuações e multas se tornaram, pela intermediação do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), recursos para a execução das obras.
Juliano de Barros Araújo puxa na memória outros aspectos da atuação do MPGO na iniciativa. Titular da 15ª Promotoria de Justiça de Goiânia, especializada na Tutela do Meio Ambiente e Urbanismo, ele foi o responsável por sugerir o tombamento da Vila. "Havia uma preocupação da Prefeitura, naquele momento em que o projeto apenas começava, de que as gestões seguintes não dessem continuidade ao trabalho", explica o promotor. Hoje o MPGO atua no monitoramento dos planos de manejo e de visitação, visando a segurança sanitária e a prevenção de incêndios.
Ampliação
Se no início a ideia era concentrar a educação ambiental na Vila, com os anos isso mudou. Há "postos avançados" no Jardim Botânico e no Núcleo Socioambiental do Programa Urbano Ambiental Macambira-Anicuns (Puama), com dois educadores em cada, e atendimento a comunidades em parques perto das escolas. "Nossa janela de trabalho é a da educação não formal. Começamos a abrir o leque, saindo da Vila e colaborando em lugares não formais. Hoje, num plantio de mudas ou de um ecoponto, estamos presentes para orientar", diz o analista ambiental Pedro Baima, gerente de Formulação de Educação, Política e Pesquisas Ambientais da Amma.
O que falta hoje é pessoal, conforme admite a própria direção da agência (leia entrevista abaixo), que conta com 11 educadores lotados -- um fator limitante a expandir mais ainda o trabalho. Na Vila Ambiental inicial, havia cerca de 50 pessoas envolvidas, a maioria em de outras secretarias e cargos em comissão. As últimas gestões não destinaram comissionados para a tarefa -- o que não deixa de refletir certa falta de prioridade.
Aprendizado transversal em uma unidade com trabalho diferenciado
Servidor da Amma desde 2010, o biólogo antropólogo Pedro Baima nota a excepcionalidade do trabalho da Vila Ambiental. "Conheço muitas cidades e parques pelo País e posso dizer que não me recordo de algo ao menos parecido com o que temos em Goiânia para atender escolas e comunidades", diz. "Talvez possa ter semelhança com o que se vê em certas unidades federais, apenas."
Pedro Baima cita a educação não formal -- por meio do passeio dos visitantes pelas trilhas, do contato próximo e até palpável com as plantas, as nascentes e os animais -- como o grande diferencial. "Os alunos vão pela trilha problematizando o que observam, depois voltam à Vila com resíduos e sementes que coletaram para se aprofundar naquele universo", relata.

Mallu Mendonça e Admilson Costa, educadores da Amma, coordenam oficina de compostagem em baldes (Tiago Marques / Amma)
Nas casas, há coleções de sementes, que viram matrizes para novas mudas. "A ideia é mesmo tirar as crianças da rotina a que estão acostumadas e fazer uma real transversalidade dos conhecimentos", resume. O local promove ainda oficinas, como a de compostagem por meio do reaproveitamento de baldes, serve tanto a estudantes como a outros educadores que queiram replicá-las em outros espaços.
Areião tem desafios, mas se consolida como reserva
Se a Vila Ambiental sela a estruturação de fato do parque, a história do Areião como ativo verde é quase secular: confunde-se com a do planejamento da própria cidade. A ideia de tê-lo como reserva ambiental surge já no projeto de Attilio Corrêa Lima para Goiânia. E, como confirma o ex-secretário de Meio Ambiente Walter Cardoso Sobrinho, é de lá que desce a canalização a abastecer o Palácio das Esmeraldas e a estrutura administrativa nos primeiros tempos da capital.
Na sede da Vila Ambiental, o geógrafo e educador ambiental Tiago Marques apresenta uma manilha semelhante às encontradas no subsolo da Praça Cívica durante as obras do BRT Norte-Sul. O exemplar foi achado em uma erosão no parque. "Com muita probabilidade, é daquela tubulação original", diz.

Educador Tiago Marques mostra tijolo e manilha achados no parque (Wesley Costa / O Popular)
Boa parte da reserva registrada no plano de Attilio foi tomada por construções públicas e privadas -- o parque seguia o curso do córrego e, com o surgimento da Rua 90, perdeu-se a parte a jusante da via, cerca de 160 mil metros quadrados (m²) da área. Hoje a unidade tem 240 mil m². Só a partir da década de 90 é que o poder público, já por meio da Prefeitura, tratou o Areião como o planejado. Houve a retirada de cerca de 20 famílias de descendentes de japoneses, alojadas em outras regiões após um acordo, e o quadrilátero limitado pelas avenidas Cel. Eugênio Jardim, Americano do Brasil, 90, Areião e Edmundo Pinheiro de Abreu deu forma ao parque.
Além da criação da Vila Ambiental na gestão de Pedro Wilson houve a restauração florestal do parque, acentua o ex-secretário. "Retiramos um campo de futebol e retomamos uma área que servia de estacionamento a uma igreja. Também compramos uma briga necessária com vizinhos ao cortar centenas de árvores", relembra Walter, enquanto passeia pelas trilhas do Areião. A notícia daquele "desmatamento" repercutiu negativamente e chegou à imprensa. "O corte foi preciso, porque eram espécimes de leucenas, que é exótica, invasora e dominante." Como reposição, foram introduzidas centenas de mudas nativas, a maioria do Cerrado: ipês, jatobás e muitas outras, entre elas também frutíferas.
Mas também há no parque espécies de outros biomas, como um grande jequitibá que Walter para para admirar. "É importante ressaltar algo que pouco se fala: Goiânia faz parte de um ecótono (região de biomas fronteiriços). Temos muito de Mata Atlântica aqui", explica. Assim, a área do Areião, bem como o Botafogo e todo o Jardim Botânico, são, segundo ele, reentrâncias do bioma no meio do Cerrado.
A vegetação local é habitat do macaco-prego, símbolo do parque. Quem caminha trilhas adentro tem a sensação de estar, por instantes, fora da cidade e em contato direto com a natureza. Porém, o ex-gestor alerta sobre as raízes expostas e erosões se formando nas trilhas. "É um processo de lixiviação (lavagem do solo) pelas águas das chuvas, precisa ser contido", constata.

No meio da trilha no parque, uma erosão crescente: força das águas pluviais deixa marcas na unidade (Diomício Gomes / O Popular)
Incêndio
Em 2017, o parque sofreu um grande incêndio que parou a Vila Ambiental: o anfiteatro natural foi destruído e as atividades cessaram. Com a reinauguração em 2020, as casas temáticas, cada qual com uma atividade educativa, foram para entidades parceiras, como a Universidade Federal de Goiás, o grupo escoteiro Arara Azul, a Polícia Militar Ambiental, a Guarda Civil Metropolitana e a organização não governamental Naia Autismo.
**Entrevista / Zilma Peixoto
Presidente da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma)**

Zilma Peixoto, presidente da Amma (Divulgação / Amma)
'Queremos que a Vila seja referência no País'
A Vila Ambiental, dentro do proposto no projeto original -- por exemplo, com as casas temáticas destinadas às crianças e ocupadas por elas --, já está de certo modo ultrapassada, em sua visão?
A educação ambiental é um tema atual e cada vez mais urgente. A concepção inicial da Vila Ambiental realmente foi de fazer casas temáticas, mas hoje o projeto já foi modernizado e o que temos atualmente são casas organizadas com parceiros, como a UFG, escoteiros, GCM e outros. Temos muitos planos e projetos para tornar a Vila Ambiental uma referência em educação ambiental para o nosso País.
Uma das constatações é de que houve redução de profissionais diretamente envolvidos. Quando a Vila Ambiental foi criada, eram cerca de 50 no projeto; hoje, a informação e de que seriam 15. É um mau sinal?
Não tínhamos 50 educadores da Amma na Vila, mas, sim, 50 na Amma, mas que abrangiam também os da Secretaria Municipal de Educação. Hoje, temos esses educadores distribuídos em nossas unidades, como no Zoológico, na Vila Ambiental, no Núcleo Socioambiental. A ideia é que tenhamos uma maior distribuição, para que os educadores estejam ainda mais próximos da população. A realidade com que a atual gestão recebeu a Prefeitura já é de conhecimento público e nosso objetivo é que, assim que a situação se regularizar, a gente aumente nosso quadro de profissionais.
O prefeito Sandro Mabel (UB) disse que vai tratar de um programa mais amplo de limpeza da cidade, a partir da educação ambiental nas escolas. Como a Amma se insere nisso?
Toda a educação ambiental não formal é de responsabilidade da Amma. Nesse sentido, temos em andamento importantes projetos, como as trilhas ecológicas, as orientações presenciais sobre fauna e flora em diferentes setores de Goiânia, entre outros. Além disso, temos parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SME) e, por meio do Projeto Goiânia Cidade Limpa, estamos levando a educação ambiental para nossas crianças.
Em um sentido mais amplo, como a sra. vê o tema do meio ambiente em relação às prioridades do município de Goiânia? Não era para ter um lugar mais prioritário, em meio ao cenário de mudanças climáticas?
O prefeito Sandro Mabel tem priorizado o meio ambiente, oferecendo total apoio à Amma. Alguns exemplos dessa priorização são o empenho que o prefeito tem realizado para que tenhamos o descarte de resíduos nos locais corretos; a tolerância zero para as infrações ambientais; e a adoção de força-tarefa para a limpeza da nossa cidade, como parte das ações dos Mutirões dos Cem Dias.