Ministra do Supremo Tribunal de Justiça determinou medidas cautelares para Karine Gouveia e Paulo César Dias
Os donos de clínica de estética suspeitos de deformar pacientes , Karine Gouveia e Paulo César Dias, foram soltos pela Justiça. A decisão é do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que revogou a decisão proferida anteriormente. O casal, que estava preso desde o dia 18 de dezembro, deixou a prisão na manhã deste sábado (8), informou a Diretoria-Geral de Polícia Penal (DGPP).
Em nota, a defesa do casal afirmou que sempre acreditou na Justiça que a ilegalidade da prisão, sustentada desde o início, seria reconhecida. "Não têm dúvidas de que a Karine e o Paulo César, com a liberdade restabelecida, poderão esclarecer todos os fatos ao Poder Judiciário, que, inclusive, deverá enfrentar todas as ilegalidades praticadas no âmbito da investigação que já foram denunciadas", diz um trecho do comunicado (leia íntegra ao final da reportagem) .
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Em sua decisão, a ministra Daniela Teixeira afirmou que "a privação de liberdade antes da formação definitiva de culpa somente encontra respaldo quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e não for cabível a sua substituição por medidas alternativas mais brandas". Baseado nisso, a ministra afirmou que, no caso do casal, é suficiente a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
Segundo a ministra, foi levado em conta, entre outros fatores, o fato de eles serem pais de uma criança de sete anos de idade que necessita de intervenção cirúrgica e cuidados.
A ministra determinou, para ambos, medidas cautelares como: comparecimento mensal em juízo para informar e justificar suas atividades, com manutenção atualizada e completa de seu respectivo endereço, entrega de passaporte, caso possua, e proibição de deixar o país, proibição de ausentar-se de seu local de domicílio, por prazo superior a oito dias, sem comunicar ao juízo onde poderá ser encontrado.
Além disso, também estão entre as medidas a proibição de acesso ou frequência ao local onde a clínica funcionava, bem como de contato com quaisquer funcionários da empresa, proibição de atuação profissional na área de estética, biomedicina e das demais atividades que estão sob investigação, que eram realizadas na respectiva clínica, proibição de manter contato com as vítimas e testemunhas do fato que está em apuração e a proibição de divulgar procedimentos estéticos em qualquer rede social.
Prisão
Na decisão do STJ, consta que o casal havia sido preso temporariamente em decorrência de investigação instaurada em razão dos supostos crimes de exercício ilegal da medicina, lesão corporal, alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, estelionato, contra o consumidor e organização criminosa.
Entenda o caso
A Operação Face Oculta, deflagrada pela Polícia Civil (PC), investiga a clínica de estética Karine Gouveia por realizar procedimentos estéticos ilegais e perigosos. O casal de donos, Karine Gouveia e Paulo é suspeito de aplicar substâncias proibidas, como PMMA e óleo de silicone, e realizar cirurgias sem a qualificação necessária. Pelo menos 70 pacientes sofreram complicações graves, incluindo deformidades permanentes, infecções e até perda de visão.
As investigações apontaram diversas irregularidades, como uso de medicamentos vencidos , seringas não esterilizadas e falta de licenciamento. Os procedimentos realizados, como rinoplastia e lipoaspiração, só poderiam ser feitos por médicos especializados.
Ainda segundo a PC, uma vítima chegou a contrair hepatite C devido às condições inadequadas da clínica, enquanto outras relataram danos irreversíveis e sofrimento intenso. A polícia segue apurando a extensão dos danos e a responsabilidade de outros profissionais envolvidos.
Quais são os crimes investigados?
Os crimes investigados pela polícia incluem a realização de procedimentos estéticos ilegais, aplicação de substâncias proibidas, como o PMMA, e falhas graves em termos de qualificação profissional. A clínica oferecia procedimentos como rinoplastia, lipoaspiração e outras cirurgias que, segundo a PC, só poderiam ser realizadas por médicos especializados. Além disso, as investigações apontam que produtos de saúde foram usados de forma inadequada, com medicamentos e materiais vencidos ou sem registro na Anvisa, além do uso de substâncias como PMMA e óleo de silicone, ambos com risco elevado à saúde.
A operação também identificou diversas irregularidades no funcionamento da clínica, como armazenamento inadequado de produtos médicos, falta de esterilização de instrumentos cirúrgicos e até o uso de seringas não esterilizadas, que resultaram em uma das vítimas contraindo hepatite C. A polícia investiga ainda a atuação dos profissionais da clínica, que realizavam procedimentos sem a qualificação necessária, colocando em risco a saúde e o bem-estar dos pacientes.
Quem são as vítimas?
As vítimas da clínica Karine Gouveia são pessoas que passaram por procedimentos estéticos como rinoplastia, lipoaspiração e outros tratamentos invasivos. Pelo menos 70 pacientes procuraram a polícia após sofrerem complicações graves em decorrência dos procedimentos, que variaram desde cicatrizes e necroses até infecções severas e perda de funções corporais, como a visão. Em alguns casos, as vítimas precisaram de várias cirurgias corretivas e até de enxertos de pele para tentar reparar os danos causados.
Uma das vítimas precisou ser entubada após passar por um procedimento na clínica e ficou com o nariz necrosado, e outras tiveram complicações que resultaram em deformidades permanentes. As vítimas relataram ainda que, durante os atendimentos, sofreram dores intensas e, em muitos casos, não receberam o suporte médico necessário. De acordo com a polícia, a clínica foi responsável por uma série de danos irreversíveis que exigem reparações complexas e contínuas.
O que dizem os Conselhos?
O Conselho Regional de Odontologia (CRO/GO) informou que "eventuais procedimentos administrativos de fiscalização do órgão são sigilosos, não sendo possível compartilhar sua existência ou desdobramentos". A instituição disse ainda que cirurgiões-dentistas têm formação e capacidade técnica para realizar procedimentos de harmonização orofacial, desde que respeitados os limites de atuação da profissão, a legislação vigente e os princípios éticos que regem a Odontologia.
A clínica conta com outra responsável técnica, que é biomédica. O Conselho Regional de Biomedicina - 3ª Região (CRBM-3) declarou que está apurando as informações divulgadas e só vai comentar o caso após ser notificado.
Segundo a Polícia Civil, Karine não possui qualificação acadêmica e um áudio reforça indícios dos crimes de estelionato. O POPULAR pediu por e-mail um posicionamento para o Conselho Regional de Biomedicina do Paraná - 6ª Região (CRBM6). Porém, o veículo não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.
Além disso, o Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região (CRBM3), que atua em Goiás, informou à polícia que Karine não possui registro de biomédica. "Não há registro de Karine Giselle Gouveia Silva neste Conselho Regional, e nunca houve", diz parte do documento (veja print abaixo) .

Documento no qual o Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região (CRBM3) afirma que Karine Gouveia não possui registro no órgão. (Divulgação/Polícia Civil)
Quais foram as irregularidades encontradas?
A inspeção feita em conjunto com a Vigilância Sanitária, no dia 18 de dezembro, nas unidades de Goiânia e Anápolis documentou as seguintes irregularidades:
Armazenamento inadequado de produtos médicos e equipamentos;
Falta de rótulos em produtos armazenados;
Manutenção de medicamentos em condições de temperatura incompatíveis;
Armazenamento de produtos que deveriam ser descartados;
Medicamentos sem tampa e expostos a condições insalubres;
Comercialização de produtos clandestinos e sem registro;
Apreensão de medicamentos sem registro na Anvisa;
Produção e armazenamento de produtos manipulados em larga escala destinados à venda;
Ausência de notas fiscais dos produtos armazenados ou comercializados;
Ausência de controle de esterilização de equipamentos e produtos;
Medicamentos armazenados em locais inadequados, como salas de máquinas sem controle de temperatura, tornando-os impróprios para o uso humano;
Depósitos de medicamentos sem prescrição médica;
Produtos como botox abertos, com prazo de uso vencido, armazenados indevidamente para futuro uso, quando deveriam ter sido descartados;
Falta de refrigeradores adequados para o armazenamento de medicamentos, ausência de fontes alternativas de energia e inexistência de instrumentos para monitoramento da temperatura nas salas de armazenamento;
Detecção de instrumentos cirúrgicos, como cânulas utilizadas para lipoaspiração, que não eram esterilizados de forma adequada;
Realização de procedimentos cirúrgicos incompatíveis com a capacidade técnica e qualificação profissional dos envolvidos;
Ausência de controle sobre o armazenamento dos produtos utilizados em pacientes;
Uso de produtos com prazo de validade expirado.
Na unidade de Anápolis, o relatório da Vigilância Sanitária apontou "que a empresa não possui alvará de licença sanitária e nem projeto arquitetônico aprovado pelo órgão sanitário competente".
Também foram encontrados receitas e atestados assinados, mas não preenchidos, e diversos medicamentos e instrumentos utilizados na realização de cirurgias, sem a autorização para funcionamento. Em decorrência, também foram lavrados termo de interdição e auto de infração.
Nota de defesa de Karine Gouveia e Paulo César Dias
"O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ilegalidade das prisões da Karine Gouveia e do Paulo César Dias Gonçalves. Na decisão, a ministra Daniela Teixeira afirmou: "Logo, considerando os elementos individualizados do caso concreto sob julgamento, revela-se desproporcional e injustificada a manutenção da prisão cautelar dos recorrentes. Pelo exposto, reconsidero a decisão proferida e concedo a ordem para determinar a revogação da prisão cautelar."
O advogado de Karine Gouveia, Romero Ferraz Filho e os advogados de Paulo César, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, em que pese o profundo respeito que têm pelas instituições, no exercício da atividade de advocacia, sempre apontaram com vigor a ilegalidade da prisão temporária que seus clientes foram submetidos. Essa prisão nunca foi necessária.
Desde o início da operação, foram denunciadas várias ilegalidades na investigação, a qual, inclusive, nunca foi apresentada ao Poder Judiciário para controle de legalidade. A metodologia abusiva da Autoridade Policial nos vazamentos seletivos diários de documentos sigilosos, promovendo o repudiado julgamento pela mídia, manteve uma prisão absolutamente ilegal que foi utilizada para extrair confissões forçadas de investigados. Se manifestava pela soltura apenas se "contribuísse" com as investigações. Nada mais absurdo e inconstitucional.
As defesas sempre acreditaram na Justiça e que de fato a ilegalidade da prisão, sustentada desde o início, seria reconhecida. A decisão do STJ deixa claro que não é possível a prisão para extrair confissões, em clara violação aos direitos fundamentais. Não têm dúvidas de que a Karine e o Paulo César, com a liberdade restabelecida, poderão esclarecer todos os fatos ao Poder Judiciário, que, inclusive, deverá enfrentar todas as ilegalidades praticadas no âmbito da investigação que já foram denunciadas."