Donos de clínica suspeitos de deformar pacientes mantinham empresa para venda clandestina de medicamentos, diz polícia
De acordo com investigação, distribuidora de remédios seguiu funcionando normalmente durante prisões de suspeitos
Nielton Soares
21 de janeiro de 2025 às 14:16
Modificado em 21/01/2025, 14:18

À esquerda, o casal Karine Gouveia e Paulo Cesar, donos da clínica investigada. À direita, paciente com nariz necrosado após um procedimento feito na clínica (Reprodução/Redes Sociais e Divulgação/Polícia Civil)
A Polícia Civil realizou uma segunda fase da Operação Face Oculta, que investiga a clínica de estética Karine Gouveia por realizar procedimentos estéticos ilegais e perigosos . De acordo com o delegado Daniel José da Silva Oliveira, o alvo das operações foi a empresa WE Care Aesthetic, que pertence ao mesmo grupo da clínica de estética. Na Receita Federal, a Wecare Aesthetic está no nome de Paulo César Dias, esposo de Karine. Eles tiveram a prisão mantida pela Justiça.
Ao POPULAR, os advogados de Karine Gouveia e Paulo César disseram que os vazamentos seletivos de informações sigilosas, as quais sequer a defesa habilitada nos autos possui acesso, continuam. A defesa ainda acrescentou que após o devido acesso amplo, conforme a Constituição Federal e a Lei preveem, acredita que os fatos serão esclarecidos no seu tempo e com os documentos necessários (veja a nota na íntegra abaixo) .
O delegado Daniel José esclareceu que a segunda etapa passou a investigar a continuação das atividades da empresa, que é suspeita de vender medicamentos para procedimentos cirúrgicos. De acordo com as investigações, a distribuidora seguiu funcionando mesmo no decorrer da primeira etapa da Operação Face Oculta.
Durante o cumprimento dos mandados, na primeira etapa (da operação), identificamos um esquema de distribuição clandestina de remédios que eram solicitados e adquiridos por meio do uso de receitas falsificadas, em nome de pessoas que não eram pacientes ou destinatários finais da compra desses medicamentos", afirmou o investigador.
Ainda de acordo com o delegado, os medicamentos adquiridos, por meio dessas receitas falsas, eram armazenados em uma sala que não tinha nenhuma identificação e eram destinados a revenda e uso na clínica Karine Gouveia. O investigador acrescentou que essas receitas eram preenchidas por colaboradores da clínica.
O delegado disse, que a partir das apurações, nesta fase, foram feitos novos pedidos de prisão. Dois de prorrogação das prisões de Karine e Paulo César; e mais sete contra os suspeitos de envolvimento no esquema, que teria vitimado mais de 70 pessoas.
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Entenda o caso
A Operação Face Oculta, deflagrada pela Polícia Civil, investiga a clínica de estética Karine Gouveia por realizar procedimentos estéticos ilegais e perigosos. O casal de donos, Karine Gouveia e Paulo César Dias Gonçalves, está preso desde o dia 18 de dezembro na Casa do Albergado, em Goiânia.
Eles são suspeitos de aplicar substâncias proibidas, como PMMA e óleo de silicone, e realizar cirurgias sem a qualificação necessária. Pelo menos 60 pacientes sofreram complicações graves, incluindo deformidades permanentes, infecções e até perda de visão.
As investigações apontaram diversas irregularidades, como uso de medicamentos vencidos, seringas não esterilizadas e falta de licenciamento. Os procedimentos realizados, como rinoplastia e lipoaspiração, só poderiam ser feitos por médicos especializados.
Ainda segundo a PC, uma vítima chegou a contrair hepatite C devido às condições inadequadas da clínica, enquanto outras relataram danos irreversíveis e sofrimento intenso. A polícia segue apurando a extensão dos danos e a responsabilidade de outros profissionais envolvidos.
Quem são os donos da clínica?
Os donos da clínica de estética Karine Gouveia são Karine Giselle Gouveia Silva, de 34 anos, e seu marido, Paulo César Dias Gonçalves, de 44. O casal está preso desde a deflagração da operação, no dia 18 de dezembro, e permanece na Casa do Albergado, em Goiânia. Karine e Paulo são suspeitos de comandar o local onde os procedimentos estéticos eram realizados sem a qualificação necessária, o que levou a complicações sérias nos pacientes.
Apesar da prisão, a defesa de Karine e Paulo nega as acusações e questiona a prisão temporária. Para a defesa, a prisão é desproporcional, especialmente durante o período de festas. A defesa considera ainda que a medida afetou gravemente a vida pessoal da família, destacando que um de seus filhos, de 7 anos, foi afastado de seus pais abruptamente.
Quais são os crimes investigados?
Os crimes investigados pela polícia incluem a realização de procedimentos estéticos ilegais, aplicação de substâncias proibidas, como o PMMA, e falhas graves em termos de qualificação profissional. A clínica oferecia procedimentos como rinoplastia, lipoaspiração e outras cirurgias que, segundo a PC, só poderiam ser realizadas por médicos especializados. Além disso, as investigações apontam que produtos de saúde foram usados de forma inadequada, com medicamentos e materiais vencidos ou sem registro na Anvisa, além do uso de substâncias como PMMA e óleo de silicone, ambos com risco elevado à saúde.
A operação também identificou diversas irregularidades no funcionamento da clínica, como armazenamento inadequado de produtos médicos, falta de esterilização de instrumentos cirúrgicos e até o uso de seringas não esterilizadas, que resultaram em uma das vítimas contraindo hepatite C. A polícia investiga ainda a atuação dos profissionais da clínica, que realizavam procedimentos sem a qualificação necessária, colocando em risco a saúde e o bem-estar dos pacientes.
As vítimas da clínica Karine Gouveia são pessoas que passaram por procedimentos estéticos como rinoplastia, lipoaspiração e outros tratamentos invasivos. Pelo menos 60 pacientes procuraram a polícia após sofrerem complicações graves em decorrência dos procedimentos, que variaram desde cicatrizes e necroses até infecções severas e perda de funções corporais, como a visão. Em alguns casos, as vítimas precisaram de várias cirurgias corretivas e até de enxertos de pele para tentar reparar os danos causados.
Uma das vítimas precisou ser entubada após passar por um procedimento na clínica e ficou com o nariz necrosado, e outras tiveram complicações que resultaram em deformidades permanentes. As vítimas relataram ainda que, durante os atendimentos, sofreram dores intensas e, em muitos casos, não receberam o suporte médico necessário. De acordo com a polícia, a clínica foi responsável por uma série de danos irreversíveis que exigem reparações complexas e contínuas.
O que dizem os Conselhos?
O Conselho Regional de Odontologia (CRO/GO) informou que "eventuais procedimentos administrativos de fiscalização do órgão são sigilosos, não sendo possível compartilhar sua existência ou desdobramentos". A instituição disse ainda que cirurgiões-dentistas têm formação e capacidade técnica para realizar procedimentos de harmonização orofacial, desde que respeitados os limites de atuação da profissão, a legislação vigente e os princípios éticos que regem a Odontologia.
A clínica conta com outra responsável técnica, que é biomédica. O Conselho Regional de Biomedicina - 3ª Região (CRBM-3) declarou que está apurando as informações divulgadas e só vai comentar o caso após ser notificado.
Segundo a Polícia Civil, Karine não possui qualificação acadêmica e o áudio reforça indícios dos crimes de estelionato. O POPULAR pediu por e-mail um posicionamento para o Conselho Regional de Biomedicina do Paraná - 6ª Região (CRBM6). Porém, o veículo não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
Além disso, o Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região (CRBM3), que atua em Goiás, informou à polícia que Karine não possui registro de biomédica. "Não há registro de Karine Giselle Gouveia Silva neste Conselho Regional, e nunca houve", diz parte do documento (veja print abaixo) .

Documento no qual o Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região (CRBM3) afirma que Karine Gouveia não possui registro no órgão. (Divulgação/Polícia Civil)
Quais foram as irregularidades encontradas?
A inspeção feita em conjunto com a Vigilância Sanitária, no dia 18 de dezembro, nas unidades de Goiânia e Anápolis documentou as seguintes irregularidades:
Na unidade de Anápolis, o relatório da Vigilância Sanitária apontou "que a empresa não possui alvará de licença sanitária e nem projeto arquitetônico aprovado pelo órgão sanitário competente".
Também foram encontrados receitas e atestados assinados, mas não preenchidos, e diversos medicamentos e instrumentos utilizados na realização de cirurgias, sem a autorização para funcionamento. Em decorrência, também foram lavrados termo de interdição e auto de infração.
(Colaborou Ildeu Iussef)
Nota à imprensa da defesa de Karine Gouveia e Paulo César
"A defesa Karine Gouveia e Paulo César, Romero Ferraz Filho e Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, respectivamente, acrescenta que os vazamentos seletivos de informações sigilosas, as quais sequer a defesa habilitada nos autos possui acesso, continuam. Após o devido acesso amplo, conforme a Constituição Federal e a Lei preveem, acredita que os fatos serão esclarecidos no seu tempo e com os documentos necessários.
Acusações devem ser submetidas ao crivo do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Não raras são as vezes em que a Polícia Civil (PC) acusa, mas que, ao fim do processo, a Justiça entende diferente. Isso aconteceu recentemente em Goiás, em caso envolvendo o Ipasgo (Operação Metástase), em que a Polícia Civil deflagrou uma operação midiática e irresponsável, e que, após concluir a investigação e ser submetida ao Poder Judiciário, este reconheceu que não havia crime e determinou o arquivamento.
A Autoridade Policial, nos vazamentos seletivos, após mais de 30 dias de prisão e 1 ano de investigações, não conseguiu comprovar o uso de PMMA e outras substâncias na Clínica. Ao contrário, a fim de atingir depoimentos que possam contribuir com a hipótese acusatória -- e não a apuração de fatos, como deve ser no Estado de Direito --, requer prisões temporárias sem contemporaneidade; sem necessidade; apenas com narrativas que, aos primeiro olhar, constrangem o Magistrado a deferir os pleitos, com objetivo de negociar solturas se houver depoimentos que corroborem com a hipótese acusatória, tanto que quem fala o que se quer ouvir, é solto, quem fala a verdade e ou se vale do direito de permanecer em silêncio, permanece preso. Em passado recente o Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Gilmar Mendes, considerou que tais práticas se assemelham a "tortura usando poder do Estado".
As defesas dos investigados têm denunciado vários abusos e violação de direitos, no entanto, a Autoridade Policial tem se valido de uma prisão sem fundamento real que está sendo utilizada como instrumento de coação para promover investigação clandestina e fora dos parâmetros legais, manchando a credibilidade das instituições e colocando em xeque todo o processo. Independente dos fatos investigados, a sociedade civil precisa estar atenta para que casos como este não se tornem a regra: pessoas sendo condenadas sem julgamento e sem direito de defesa, afinal, não se pode tolerar um Estado que prende primeiro e pergunta depois. Uma investigação que perdura há mais de ano, até agora os investigados não foram ouvidos."
Nota do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego)
De acordo com a LEI Nº 12.842, DE 10 DE JULHO DE 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina, a indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, são atos exclusivos de médicos, portanto, não devem ser exercidos por outros profissionais.
Nota do Conselho Regional de Odontologia
O Conselho Regional de Odontologia de Goiás (CRO-GO) informa que não teve conhecimento prévio da operação policial realizada na manhã da última quarta-feira, 18 de dezembro de 2024, que resultou na prisão de profissionais cirurgiões-dentistas inscritos neste Conselho. Conforme divulgado pela mídia, os profissionais são acusados de realizar procedimentos estéticos e cirúrgicos que teriam causado danos físicos a pacientes.
Esclarecemos que, de acordo com a Resolução CFO nº 198/2019, os cirurgiões-dentistas possuem formação e capacidade técnica para a realização de procedimentos de Harmonização Orofacial (HOF), respeitando os limites de atuação da profissão, a legislação vigente e os princípios éticos que regem a Odontologia.
O CRO-GO repudia veementemente qualquer ato que exponha negativamente a imagem dos profissionais da área, que, em sua grande maioria, exercem sua profissão com excelência, dedicação e respeito à sociedade. Reforçamos nosso compromisso de zelar pela ética e pela segurança dos pacientes, promovendo uma Odontologia responsável e de qualidade.Informamos que eventuais procedimentos administrativos de fiscalização do órgão são sigilosos, não sendo possível compartilhar sua existência ou desdobramentos.
Nota Conselho Regional de Biomedicina
O Conselho Regional de Biomedicina - 3ª Região (CRBM-3) informa que está apurando as informações divulgadas pela imprensa e só vai comentar o caso após ser notificado. Informa ainda que a Clínica que pertence à empresária Karine Giselle Gouveia Silva tem registro de Pessoa Jurídica no Conselho. A referida profissional não é biomédica.