Construído para abrigo de camelôs, Mercado Aberto vive abandono
Inaugurado em 2003 na Avenida Paranaíba, lugar foi criado para abrigar camelôs da Avenida Goiás. Hoje, tem grandes espaços vazios
Gabriella Braga
1 de abril de 2025 às 12:38

Localizado na Avenida Paranaíba, o Mercado Aberto opera hoje com quantidade de bancas bem abaixo da capacidade para a qual foi projetado, no início dos anos 2000 (Wildes Barbosa / O Popular)
Retirados da Avenida Goiás em 2003 em meio à proposta de revitalizar uma das principais vias do Centro de Goiânia, muitos dos ambulantes levados para o Mercado Aberto da Avenida Paranaíba fazem do espaço seu ponto de trabalho há mais de duas décadas. Mesmo com a mudança tendo ocorrido em meio a protestos, o relato do que houve inicialmente é comum entre eles: grande movimento e clientela farta. Contudo, agora, o temor é de perder tudo o que foi construído ao longo dos últimos 22 anos. Abandonado pela Prefeitura, o local estaria vazio não fosse os que seguem teimando contra as baixas vendas.
Inaugurado em abril de 2003 na Avenida Paranaíba durante a gestão de Pedro Wilson (PT), o local era disputado pelos comerciantes informais que também queriam ocupar um ponto em um dos principais complexos de comércio popular à época. É o que compartilha parte deles, que ainda permanecem no espaço, ao POPULAR. A reportagem esteve durante a tarde desta segunda-feira (31) no mercado e observou um movimento tímido, com boa parte dos espaços para bancas estando vaga. E mesmo com horário previsto até às 18 horas, a baixa demanda faz com que, a partir das 17 horas, esteja praticamente vazio.
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Dos 59 anos de Idair Vitoriano, 22 foram passados no Mercado Aberto. Antes, ele ocupou as calçadas da Avenida Anhanguera por cerca de um ano. E o que antes possibilitava a ele uma renda maior, hoje é apenas um complemento do que ele tira também da Feira Hippie, onde trabalha entre sexta-feira a domingo. Ele conta que quando chegou ali não havia nem espaço para todos os comerciantes que desejavam atuar no local. Agora, sobra. "Antes da pandemia (da Covid-19, a partir de 2020) já estava caindo muito o movimento, mas a pandemia terminou de matar", comenta.
A motivação da queda na clientela, conta, foi a abertura de galerias na Região da 44, no Setor Norte Ferroviário, que teve início em 2001 mas foi impulsionada nos anos seguintes. Isso teria acontecido porque, como a Rodoviária é situada logo ao lado, os clientes que antes subiam a Avenida Goiás até chegar à Avenida Paranaíba acabaram se concentrando apenas no entorno do polo comercial. Com isso, antes mesmo da pandemia, a tendência já era de queda na venda no mercado. E a opinião é replicada por outros comerciantes ouvidos pelo POPULAR.
Djalma Ribeiro, de 63 anos, também ocupa um dos pontos do Mercado Aberto desde sua abertura e viu a decadência do espaço nos anos seguintes. "Tá devagar, tá parado", diz, ao ser questionado sobre o movimento. Ele, contudo, ainda acredita que seja possível revitalizar o Mercado Aberto e lhe dar nova vida. No entanto, comenta, falta atuação do poder público no comércio popular. "Tem de vir limpar aqui, arrumar banheiro", acrescenta, ao relembrar ainda que a saída de inúmeros comerciantes se acentuou ainda mais após o período de restrição causado pela Covid-19. "O povo começou a sair, ir para a Avenida Anhanguera, para a 44."
O comerciante Antenor Miguel, de 59 anos, também resume a situação em uma frase: "Aqui está morto." Para ele, a liberação --- mesmo que não oficial --- para o mercado informal na avenida, além da região que concentra o maior polo comercial do Estado, teria sido o fator responsável pela migração dos vendedores que ocupavam o Mercado Aberto. E ele, cuja história como camelô se iniciou no ano de 1993, na Avenida Goiás, reforça o mesmo que os demais: "Antes da pandemia já estava ruim, mas depois piorou mais."
Com a retirada dos ambulantes das ruas da Região da 44, a esperança de quem permanece por ali, mesmo com o pouco dinheiro que entra em conta, é de que haja uma melhora no movimento do mercado da Avenida Paranaíba. Délcio Pereira, de 48 anos, contudo, vê diferença no público. Ele cita que, antigamente, a clientela do local era tanto de varejo como atacado e hoje isso mudou. Para o comerciante, que está há quase duas décadas no local, o próprio comércio de roupas tem se mostrado em queda.
Délcio relembra a época em que chegou ao Mercado Aberto da Paranaíba e encontrou o espaço tomado por comerciantes e compradores. "Não dava conta nem de andar", conta. Logo nos anos seguintes, ambas as partes começaram a evadir e culminou a situação encontrada hoje no espaço. Mesmo com um cenário mais favorável para ele, que vende roupas femininas e masculinas, já que mantém uma clientela fixa, a renda decresceu e hoje tem dado "apenas para as despesas". Conforme ele, falta diálogo e integração entre os empreendedores locais e a Prefeitura. "Precisa arrumar a casa, organizar, demarcar", pontua. O comerciante lista algumas medidas que poderiam ajudar, como áreas de lazer.
O abandono do Mercado Aberto por parte da Prefeitura é visível para quem passa por ali. Porta de banheiro danificada, pichações, além de parte do espaço -- como a lona e o chão -- suja, o que contrasta com a última promessa de revitalização, feita em 2015. E não foi sequer mencionado o Projeto Centraliza, lançado pelo prefeito anterior, Rogério Cruz (SD), em outubro de 2023, com propostas para requalificar o Centro da capital.
O POPULAR buscou a Prefeitura para saber se há algum projeto de revitalização para o Mercado Aberto da Paranaíba e também questionou qual a ocupação máxima e atual do mercado. Até o fechamento desta edição, não houve resposta.
Fiscalização é intensificada na 44
Com a fiscalização intensificada nas ruas da Região da 44, no Setor Norte Ferroviário, a partir desta segunda-feira (31), os ambulantes que antes ocupavam as vias para o comércio informal já não são mais vistos. Um protesto chegou a ser feito durante a manhã e a promessa da Associação dos Camelôs é de que isso siga nos próximos dias, até que o impasse seja resolvido. A categoria se diz insatisfeita com a medida imposta pela gestão de Sandro Mabel (UB).

Segunda-feira na Região da 44 foi marcada pela ausência de ambulantes ( Wildes Barbosa / O Popular)
O POPULAR esteve no local durante a tarde desta segunda e observou apenas uma vendedora de frutas ainda ocupando uma parte da calçada da região. Enquanto isso, neste dia, grande parte das lojas em galerias e shoppings se mantiveram fechadas, como já é de praxe nas segundas-feiras. Viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) faziam rondas durante a tarde, e também estiveram presentes no protesto realizado pelos ambulantes, juntamente com equipes da Ronda Ostensiva Municipal (Romu), considerada a tropa de elite da GCM.
Representante da Associação dos Camelôs, Ana Paula de Oliveira lamenta a medida e garante que serão feitas manifestações "todos os dias, até ele (Mabel) resolver com nós (sic)". "Estamos aqui, todo mundo decepcionado com o prefeito, porque estamos tentando há um mês negociar com ele, fazer um acordo, e ele não aceita. Quer que a gente concorde com apenas as duas alternativas. A gente não concorda o que ele está fazendo com o trabalhador. Ou é a galeria, que fala que é aluguel social, mas não é, já que tem que pagar o condomínio, ou então é a Feira Hippie, lá onde nem os feirantes querem", finaliza.
Dentre as opções ofertadas, está a realocação na Feira Hippie ou em empreendimentos comerciais da região, por meio de um aluguel social, que será progressivo. A associação, contudo, tem cobrado a regularização dos ambulantes e também que sejam fixados horários alternativos para o trabalho informal. As propostas da categoria já haviam sido discutidas durante sessão na Câmara Municipal, ainda em fevereiro.
Nesta segunda-feira, a Prefeitura divulgou um levantamento da Secretaria Municipal de Gestão, Negócios e Parcerias (Segenp) de aproximadamente 700 ambulantes na região. Metade deles seria lojista em galerias e a outra metade também atuaria em feiras. Outros 100 camelôs estariam exclusivamente como informais, nas ruas, e em torno de 50 teriam se legalizado por meio de realocação na feira.
Segundo o Paço, os trabalhadores que foram para a Feira Hippie pagarão taxa de licença de R$ 40 e taxa de ocupação calculada de acordo com a metragem da banca, em média de R$ 111 para locais de até oito metros quadrados. No caso do aluguel social, estão sendo disponibilizadas 2.066 lojas em galerias. Neste caso, o camelô terá o benefício por 18 meses, pagando nos primeiros seis meses o valor do condomínio e, após o período e até um ano, começando a pagar também 30% do aluguel. No terceiro semestre, o porcentual sobe para 60% e, após um ano e meio, a cobrança será integral de aluguel e condomínio.
Haverá ainda a oferta de cursos de capacitação promovidos pelo Sebrae com o apoio da Casa do Empreendedor que será aberta na região. Em nota, a Prefeitura diz que tem mantido o diálogo com a categoria "antes, durante e após a implementação da medida" e reforça que "não está simplesmente retirando os ambulantes das ruas, mas oferecendo alternativas concretas para sua regularização e inclusão no mercado formal". Garante ainda que a fiscalização será contínua para "garantir o cumprimento do Código de Posturas do município".
Medida de remoção tem antecedentes em outras gestões
A remoção dos ambulantes da Região da 44, a partir desta segunda-feira (31), pelo prefeito Sandro Mabel (UB), se assemelha à transferência dos comerciantes da Avenida Goiás em 2003, pela gestão de Pedro Wilson (PT) -- demanda ainda mais antiga, da época do antecessor, Nion Albernaz (PSDB).
Com a realocação, eles foram levados ao Mercado Aberto, criado na Avenida Paranaíba. Anos depois, em 2014, a Feira da Madrugada foi criada para que ambulantes da Rua 44 fossem removidos das ruas para o espaço regularizado, como busca de solução ao impasse entre lojistas e camelôs. À época, a Prefeitura gerida por Paulo Garcia (PT) divulgou que a feira teria 525 vendedores atuando de forma irregular. Houve resistência -- como tem ocorrido agora, com protestos iniciados nesta segunda-feira (31).
Agora, a atual administração municipal tem realocado os informais que ocupam as ruas da 44 para, principalmente, a Feira Hippie, existente desde a década de 1960. Há também a proposta de aluguel social, mas, até o momento, não foi divulgada nenhuma adesão efetiva a essa medida, proposta pela Associação Empresarial da 44 (AER44).
Em coletiva de imprensa nesta segunda, Mabel mencionou que parte dos ambulantes já havia sido realocada, mas sem citar número. "Aqueles cadastrados ganharão espaço." Questionada se a medida será efetivada em outra região da capital, a Prefeitura respondeu só que "tem ressaltado a importância do cumprimento da legislação em todas as áreas da cidade", se referindo ao Código de Posturas do município.